Marcado na memória afetiva e gustativa de muitos porto-alegrenses, o churros vendido por um uruguaio carismático na Redenção entre a década de 1960 e o começo dos anos 2000 está de volta. Só que os órfãos do Churros Del Uruguay terão de ir até o bairro Floresta para lembrar qual é o sabor da especiaria.
Aos 73 anos, o seu Milton Hernandez Burci tirou o pó do maquinário, construiu um carrinho novo e desceu à calçada em frente ao prédio onde mora para retomar as vendas da iguaria recheada com doce de leite, baunilha ou brigadeiro. Está trabalhando desde junho na Avenida Cristóvão Colombo, e a fila, às vezes, chega na esquina com a Doutor Timóteo. Com o auxílio da vizinha Juliana Kaufmann, 21 anos, vende 300 churros por tarde. Atende entre as 14h30min e as 19h ou 20h, e agora se dá ao luxo de trabalhar só de segunda a sexta-feira. Os finais de semana ele tira para assistir ao Grêmio ou pescar.
– Tem de aproveitar um pouco também – diz ele.
A máquina que dá o formato à massa é a mesma que ele montou há 40 anos com peças de ferro velho. Ele a havia aposentado em 2005, quando foi proibido de vender seu produto em um trailer. Mas, no ano passado, quando deu uma entrevista para o Pelas Ruas, resgatou o apetrecho escondido dentro do guarda-roupa e decidiu voltar.
– Eu rejuvenesci. Me sinto mais ativo – diz Milton, estufando o peito por trás do uniforme branco de cozinheiro que comprou para a nova fase da vida.
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Antigos fãs ficam felizes com retomada
Além de fazer uma clientela nova, muita gente o reconhece dos tempos de Redenção. O comerciante Paulo Marcon, 56 anos, lembra que chegou a brincar no caminhão 1933 em que a família de Milton levava os equipamentos para o parque. O uruguaio mostra que não manteve apenas o portunhol, mas ainda leva jeito na preparação do doce.
– Ele continua com o mesmo segredo. Eu e meu filho estávamos torcendo para ele voltar – conta Marcon.
Milton aprendeu a fazer churros aos oito anos, em Montevidéu, e foi um dos pioneiros na venda quando chegou ao Rio Grande do Sul. Diz que, no começo dos anos 1960, ninguém conhecia o doce em Porto Alegre. Com os tios e um primo, começou a vender churros na Praça XV e na Praça da Alfândega. Em 1963, descobriram a Redenção.
Milton segue usando o valor de uma passagem de ônibus para decidir o preço que colocará no seu churros. Na verdade, no momento até está dando um descontinho: um sai por R$ 3 e dois, por R$ 5. O dinheiro que ele está juntando já tem destino certo: quer comprar uma caminhonete para viajar com a esposa, Blanca, ao Uruguai, e matar os 28 anos de saudade acumulada da terra natal.
*Colaborou Bárbara Müller