O Projeto de Lei do Senado conhecido como Escola Sem Partido já entrou para a história como a maior consulta pública realizada no país. De autoria do senador Magno Malta (PR-ES), o projeto prevê, segundo nos informa sua ementa, a inclusão "entre as bases e diretrizes da educação nacional (…) o Programa Escola Sem Partido". Liderado pelo advogado Miguel Nagib, o Movimento Escola Sem Partido prega a "neutralidade" em sala de aula, combate a doutrinação ideológica e partidária praticada por professores e se bate em defesa da liberdade de consciência dos alunos.
Algumas dessas restrições deveriam ser decorrentes da decência e da honestidade moral e intelectual indispensáveis a todos aqueles engajados na tarefa de ensinar: o professor não deve impor "preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias"; ou ainda "não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas". Quem seria capaz de defender que o professor poderia fazer tais coisas?
Pois essas pessoas existem e estão nos comitês burocráticos ministeriais que excluem o ensino da história da Grécia ou do Renascimento dos currículos de nossos alunos e nas salas de aula promovendo o chavismo venezuelano como um capítulo na luta dos pobres contra os ricos no mundo capitalista. Jogando irresponsavelmente com as noções de liberdade de expressão e com reflexões epistemológicas sobre a objetividade do conhecimento humano, esses intelectuais e acadêmicos de esquerda tratam o tema como se fosse um tópico em um simpósio universitário (de duvidosa qualidade): "não existe objetividade", "não existe neutralidade". Lamentavelmente, o que ocorre em sala de aula não é um debate acadêmico sobre os limites da objetividade, mas sim a simples reprodução de uma vulgata sub-marxista que mistura rancor social, slogans anticapitalistas sem fundamentos na realidade e caricaturas grotescas de escolas de pensamento não identificadas com o esquerdismo oficial.
Tudo levaria a crer que o projeto Escola Sem Partido, então, é uma solução. Sejamos claros: não é. Primeiro, um projeto de lei não tem como enfrentar o problema da formação intelectual precária, enviesada e ideologicamente comprometida que os professores de humanidades recebem na universidade brasileira. Segundo, o projeto propõe que temas política e socialmente sensíveis sejam abordados levando em conta todas as principais posições relevantes sobre o tema, o que é didática e legalmente impossível e indesejável (quantas interpretações sobre a filosofia de Rousseau, por exemplo, devem ser apresentadas? Quem decidirá? Qualquer juiz de primeira instância? O STF?). Por fim, o nível de obscurantismo a que chega o projeto é tal que lembra muito a militância islâmica nos países ocidentais: o professor "respeitará o direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções". O professor de biologia não poderá ensinar a teoria da evolução? O pai do aluno poderá "enquadrar" o professor que lecionar sobre a revolução sexual dos anos de 1960? Um mulá islâmico radical não poderia concordar mais – o que prova que estamos longe de resolver um problema bastante real.
*Eduardo Wolf escreve mensalmente no Caderno DOC.