O porto-alegrense visita a Europa. Anda por Berlim, Paris, Amsterdã, Barcelona, Lisboa. Acha tudo divino e maravilhoso. Mas o tempo inteiro ele fica com uma sensação esquisita. Ele sente que alguma coisa está faltando, que há algo de errado, mas não sabe dizer o que é.
Só quando o avião está pousando no Salgado Filho ou mesmo um pouco depois, já no táxi, na Elevada da Conceição, ele tem o estalo. É claro! O que havia de estranho na Europa, o que dava aquele ar de irrealidade às metrópoles do Velho Mundo, era a falta deles, dos nossos amados viadutos.
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Acontece que a fissura por viadutos é uma espécie de perversão sexual terceiro-mundista à qual Porto Alegre se entrega com paixão e gozo. Acreditamos que eles significam progresso. Chegamos a empilhá-los uns sobre outros e a erguê-los à beira do Guaíba, para abrilhantar nossa orla.
Por isso, em lugar de encará-los como algo natural na nossa paisagem, gostaria de propor uma nova regra, à qual desinteressadamente resolvi batizar como Lei de Itamar: que a partir de agora todo viaduto seja considerado, em essência, um fracasso da cidade e uma admissão de incompetência por parte de seus planejadores.
Eis o princípio: se a cidade precisa construir viadutos para resolver problemas de circulação, isso significa que ela não foi bem pensada, não tem um transporte público decente e não funciona direito. Significa que, em lugar de encarar os problemas, preferiu passar uma ponte de concreto por cima deles.
As metrópoles europeias, cidades bem mais compactas e populosas do que Porto Alegre, já estão em conformidade com tal ideia. Por lá, não é fácil deparar com viadutos nas áreas centrais e nas zonas urbanizadas. Quando eles existem, estão em plagas afastadas, geralmente sobre alguma via expressa, correndo por áreas de escassa ou nenhuma presença humana. Só para constar: nessas cidades não se conhece nada parecido com os engarrafamentos da leal e valorosa.
Lá eles perceberam que os viadutos têm uma coisa boa - fazer os carros andar - e todas as outras coisas ruins. Onde eles brotam, o entorno fenece. Os pedestres somem, os comércios fecham, os apartamentos ganham placas de "vende-se" e os imóveis se desvalorizam. Há muitos exemplos em Porto Alegre, mas vou citar apenas o melhor deles, o brutal complexo de elevadas entre a Rodoviária e o Centro. Aquela já foi uma das zonas mais interessantes e agradáveis da cidade, e dão testemunho dessa época prédios de arquitetura grandiloquente, como a sede do Tumelero. Mas a área foi terraplanada para dar lugar a viadutos e mais viadutos - o mais recente deles levantado há apenas dois anos. Como consequência, a região virou o nosso mais flamante exemplo de degradação, meretrício e abandono.
O que a Lei de Itamar tem a dizer sobre isso? Que viaduto não é solução, viaduto é aplicar aos problemas urbanos o método da gambiarra.
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