*Ph.D em Economia e Professor Titular na UFRGS
Entre 2011 e 2015 o crescimento médio do PIB mundial foi de 3,5%, enquanto o PIB brasileiro cresceu próximo a 0,75% ao ano. Os números mostram claramente que não é a economia mundial que está "nos puxando para baixo".
No primeiro mandato da presidente Dilma, o país cometeu vários erros de política macro e microeconômica. Esses erros cobram, agora, o seu preço na forma de uma inflação elevada e de um crescimento negativo do PIB por dois anos consecutivos. A última vez que isso ocorreu no Brasil foi durante a chamada Grande Depressão dos anos trinta, em 1931 e 1932.
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Na esfera macroeconômica, optamos, equivocadamente, por ampliar o papel do Estado na economia e por uma maior leniência inflacionária. O primeiro governo Dilma elegeu o Estado como "indutor do crescimento econômico". As políticas públicas de indução do crescimento basearam-se em expansão dos gastos públicos, na concessão de reduções tributárias setoriais e na expansão dos empréstimos subsidiados, através do BNDES, para setores escolhidos pelo governo. O resultado prático foi uma expansão desenfreada do déficit público. Por outro lado, a tentativa de reduzir de forma voluntariosa a taxa de juros implicou em maior leniência inflacionária por parte do Banco Central. Voltamos a fazer controles de tarifas públicas, às custas do contribuinte, para "maquiar" os dados inflacionários. Baseada em um keynesianismo de botequim, essa estratégia, batizada de Nova Matriz Econômica, supunha que injeções de demanda pelo Estado gerariam ampliação da oferta com estabilidade de preços.
Na esfera microeconômica, a tentativa de elevação da interferência do Estado também gerou efeitos negativos que ajudaram a reduzir a produtividade geral da economia: o sistema tributário ficou mais complexo; foram colocadas regras de conteúdo nacional para a indústria, o que reduz a competição externa e encarece a produção nacional como um todo; mudou-se o marco regulatório do pré-sal e do setor elétrico, com consequências negativas sobre o investimento nesses setores.
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No início do segundo mandato, ao nomear o ministro Levy para a Fazenda, a presidente Dilma indicou uma mudança significativa na estratégia anterior, que, claramente, não funcionou. O problema é que ela ligou o pisca-pisca, mas, na prática, não mudou a trajetória da política econômica. A Nova Matriz Econômica acabou, mas não foi substituída por uma estratégia alternativa coerente. Se o déficit público permanecer no seu patamar atual por mais alguns anos, o país começará a conviver com o risco de default. Urge, portanto, elevar significativamente o resultado primário do governo, de forma a mover a dívida pública para uma trajetória de sustentabilidade. O ajuste fiscal e o restabelecimento da autonomia do Banco Central são os elementos macroeconômicos cruciais para conter a inflação e restabelecer confiança dos empresários e dos consumidores.
Em segundo lugar, precisamos realizar reformas microeconômicas para crescer de forma sustentada a partir de 2017. Além de desfazer os erros microeconômicos do primeiro mandato, precisamos ainda fazer quatro reformas fundamentais. Em primeiro lugar, uma reforma tributária que simplifique e homogeneíze as regras fiscais e que limite o crescimento da carga tributária. O Simples foi uma válvula de escape para não fazermos uma reforma tributária efetiva. O que precisamos é de um "simples para todos". Em segundo lugar, precisamos de uma reforma administrativa que eleve a eficiência do gasto público na produção dos serviços de educação, saúde e segurança para a população brasileira. Isto implica, principalmente, em dois aspectos: eliminar as vinculações orçamentárias que ligam a despesa ao crescimento da receita, para gerar uma competição orçamentária dentro do setor público que eleve a eficiência, e a mudança no estatuto da estabilidade no emprego para todas as carreiras que não sejam típicas de Estado. Em terceiro lugar, uma reforma trabalhista que tenha por objetivo tornar a CLT um elemento negociável entre os sindicatos laborais e patronais. Em poucas palavras, precisamos de uma situação onde o que for negociado entre as partes tenha primazia sobre o que diz a legislação. Por fim, precisamos ainda de uma reforma na previdência que estabeleça uma idade mínima para a aposentadoria que seja compatível com a crescente elevação da expectativa de vida do brasileiro.
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Infelizmente, a chance de que as medidas macro e microeconômicas sugeridas acima sejam implementadas é reduzida. Se a nossa crise econômica fosse importada, haveria a chance de ela se resolver sozinha, na medida em que o mundo começasse a melhorar. Mas como a crise é made in Brazil, e o país é, atualmente, uma nau sem rumo, não há esperanças de melhoria no curto prazo. Como lembrou recentemente o ex-ministro Delfim Netto "o presidencialismo não funciona sem presidente". Nos falta liderança. Agora, é cruzar os dedos e torcer para que a presidente Dilma seja infectada pelo mesmo vírus que acometeu o presidente Lula em 2002/03, quando ele abandonou a ideologia em favor do pragmatismo. O problema é que, segundo um médico amigo meu, ela tem anticorpos muito fortes contra a realidade.
"É a crise do capital fictício", diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda
Entrevista por Letícia Duarte
Para o economista Antonio Corrêa de Lacerda, sócio-Diretor da ACLacerda Consultores Associados e coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP, a especulação é o principal motor da turbulência econômica global. Um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização (SOBEET), Lacerda observa que vivemos o mesmo cenário que levou à crise de 2008 - e que enquanto suas condições persistirem outras virão - no Brasil e no mundo.
Há alguns anos analistas já previam esta nova crise global, inclusive Thom Hartmann chegou o publicar em 2013 o livro The Crash of 2016. Em que medida a crise atual é uma reverberação da crise de 2008? E quais seus elementos particulares?
É a crise do capital fictício. O mundo pós-globalização financeira se tornou um grande cassino, no qual a riqueza financeira está desvinculada da produção e dos ativos reais. Estaremos sempre sujeitos a novas crises, diante deste cenário.
Em 2011, o senhor deu entrevista dizendo que "o cenário que provocou a crise em 2008 permanecia, com os riscos regulatórios". Apontava que haviam sido feitos apenas "alguns pequenos remendos para tentar melhorar a regulação do setor financeiro, mas insuficientes para diminuir os riscos de uma nova crise financeira." Por que nada foi feito?
Porque o mundo se acomodou no rentismo fácil, ou seja, ganhar na especulação, sem produzir. Todos se dizem liberais até que a crise chegue. Aí pedem a intervenção do Estado e do Banco Central para socorrer os que perderam por especular. A sociedade paga a conta, na forma de destruição de patrimônio, destruição de emprego e renda e ainda paga mais impostos!
Como o senhor vê o Brasil nesta crise? Qual o peso das questões internas e das externas no momento que estamos vivendo?
Há uma combinação de fatores adversos. A redução do crescimento chinês derrubou os preços das commodities que exportamos. Internamente, a crise política minou a confiança de consumidores e empresários. A Operação Lava-Jato travou os investimentos, e a conjugação de todos os fatores mencionados nos levou à atual crise.
O FMI atribuiu ao Brasil a capacidade de contaminar negativamente a América Latina em particular, mas também todo o mundo, no comentário que teria deixado a presidente Dilma Rousseff "estarrecida". O Brasil hoje é um fator de desequilíbrio na economia mundial?
É um dos, mas não o único. Como somos uma das 10 maiores, temos peso. Mas a crise é também na China, segunda maior economia do mundo, e na Rússia, por exemplo, que também está entre as 10 maiores. Há ainda a Europa, com seus problemas. Portanto, o cenário global é muito incerto.
O quanto da crise política potencializa a crise econômica brasileira atual?
De duas formas principais: gera incerteza, e isso atrasa as decisões de consumo e investimento; segundo, porque criou-se no mercado financeiro um autoengano que leva as pessoas a acreditarem que basta o impeachment da presidente que tudo se revolve. Uma falácia, porque a crise é muito maior. Além disso, o precedente de um eventual impeachment sem embasamento criaria uma instabilidade enorme para novos governantes, que diante de qualquer problema estariam sujeitos ao mesmo golpe.
Como o senhor vê a a atual política econômica brasileira, como por exemplo a política de juros?
Uma tragédia. Nos tornamos uma sociedade de rentistas, na qual todos, mesmo os não rentistas, agem como tal e ficam torcendo pela alta dos juros! Somos há duas décadas campeões mundiais de juros reais. E todo dias ouvimos e vemos "analistas" defendendo a alta do juros. Patético!
O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, deu uma entrevista À Folha de S.Paulo dizendo acreditar que o preço do petróleo oferece mais riscos à economia global - e especialmente a brasileira - do que a desaceleração chinesa. Qual a sua opinião?
Todos querem uma única resposta, mas a crise do petróleo, além dos fatores geopolíticos envolvidos, também é uma face da crise chinesa. Ou seja, não dá para separá-las totalmente.
Qual o caminho para o Brasil sair da crise?
São muitos os caminhos. Temos que enfrentar nossos dilemas: questão fiscal, indexação, burocracia excessiva, reforma tributária, etc. Poderíamos começar nos ajudando e adotando a prática internacional de uma taxa de juros compatível com a rentabilidade da atividade produtiva. Enquanto isso não ocorrer, permaneceremos um país de rentistas, no qual, como vem ocorrendo há pelo menos duas décadas, a especulação é mais rentável do que investir na produção ou na infraestrutura.