Em 1999, após uma década de novo liberalismo e globalização, a América Latina surpreendeu o mundo, com a eleição do coronel Hugo Chávez na Venezuela. Seguiu-se a ascensão de governos de centro-esquerda (em coalizão) em democracias consolidadas (Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile) e a implantação de regimes esquerdistas (Bolívia, Equador, além da Venezuela).
Era a "onda rosa", que criticava a globalização neoliberal e parecia haver mudado a face do continente, com políticas sociais e iniciativas diplomáticas ousadas. Todavia, 16 anos depois, a Argentina e o Paraguai têm governos de centro-direita, e a situação dos dirigentes do Brasil e da Venezuela é periclitante. O que teria causado o desgaste dos governos progressistas (ou populistas...)?
Primeiro, foi a crise econômica mundializada, iniciada nos Estados Unidos em 2008. A desaceleração europeia e norte-americana afetou outras regiões, reduzindo a demanda e os preços de matérias-primas exportadas pela América do Sul e aumentando a concorrência global.
Esse elemento econômico foi acompanhado pela reação política euro-americana, que empregou meios como pressões monetárias, redução induzida do preço do petróleo, reações diplomáticas e intensa mobilização midiático-ideológica. Esse último aspecto veio ao encontro de elites e classes médias opositoras e ressentidas. E no embate, emergiram contradições e debilidades dos projetos no poder.
Apesar de o Estado haver recuperado certo papel, a economia se baseava em vantagens pontuais na criticada globalização, e as políticas neoliberais continuaram se desenvolvendo (exceto na petroleira Venezuela). Houve ações sociais via Estado, mas poucas mudanças estruturais e conscientização social (só o enfadonho "politicamente correto"). Os pobres se tornaram menos pobres, e os ricos mais ricos. Os chineses pagaram pelas commodities mas aqui não havia projeto nacional e de desenvolvimento definidos. Tudo oscilava ao sabor das coalizões eleitorais.
Os governos possuíam contradições impressionantes, como apoiar a construção de infraestruturas, agronegócio, mineração e energia, ao mesmo tempo em que empoderavam as ONGs contrárias a tais políticas. Desde o golpe que derrubou o oportunista presidente de Honduras, o que se assiste é o avanço das novas Revoluções Coloridas no continente, empregando o smart power, até de dentro do próprio Estado.
E agora? Os bolsistas beneficiados sonham em continuar comprando aparelhos eletrônicos mas não compreendem o que está em jogo e a esquerda está desconcertada consigo mesma. Já as antigas elites estão excitadas, imaginando que recuperar o poder fará o mundo voltar a ser como antes. Contudo, ninguém sabe qual será a reação dos diversos segmentos sociais com a redução do consumo, a erosão da governança e a perda de parâmetros políticos. Mais uma vez, a América Latina parece perder o rumo.
*Paulo Fagundes Visentini escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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