A assistência à população em situação de rua em Porto Alegre é alvo de 19 inquéritos civil instaurados desde 2010 pelo Ministério Público. Entre os objetos ainda em investigação estão a ocupação irregular de áreas públicas e privadas, o sistema de acolhimento em albergues e a política habitacional voltada a moradores de rua.
Nos últimos anos, apenas um dos objetos se tornou ação judicial, em 2007. No final do ano passado, a Justiça julgou improcedente a ação que pedia o aumento de vagas em abrigos. Cabe recurso. Responsável pela Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos de Porto Alegre, a promotora Ivana Battaglin explica que a saída obrigatória de moradores de rua pode ser feita apenas em situações excpcionais.
"Quando se esgotam as possibilidade de reinserção (do morador de rua) e se verifica que se trata de um problema mental ou de adicção, isso é encaminhado para a promotoria de saúde, que faz uma intervenção", diz Ivana Battaglin.
Em janeiro deste ano, a Rádio Gaúcha mapeou a existência de pelo menos 20 locais com acampamentos de moradores de rua. Em novo levantamento, foi possível perceber o fim de alguns acampamentos. Foi o caso da avenida Ramiro Barcelos, em frente ao Hospital de Clínicas, e da Praça da Juventude, no bairro Medianeira. Na relação, também há a saída de um ponto de usuários de crack, na rua Julio Olszewski, próximo à avenida da Legalidade. Quinze casebres pegaram fogo em agosto.
Drogas
Conflitos familiares e o vício ainda motivam muitas pessoas a procurar a rua. No novo levantamento, foi possível observar o crescimento da montagem de barracos na região da orla do Guaíba. O trecho entre o estádio Beira-Rio e o acesso ao museu Iberê Camargo esconde em meio à densa vegetação casebres que funcionam apenas como boca de fumo. A presença de pessoas bem vestidas mostra que o espaço também é apenas um ponto de visita de usuários.
"(Agentes) passaram aqui quando deu a enchente e a única coisa que disseram é que não podia ficar criança, porque é área de risco. Eu disse que não sairia, e disseram que eu podia ficar o tempo que quiser", diz Lucia Rodrigues, que reside na orla há cerca de quatro meses.
Outro local que passou a concentrar mais pessoas em situação de rua foi a avenida Azenha, nas proximidades da Rótula do Papa. Muitos relatam que a opção pela rua tem relação com as drogas. "Já usei crack, cocaína, maconha, mas parei se usar. Saí do Morro da Conceição porque minha mãe me mandou embora", relata Ari Martins Correa Junior, de 27 anos.
No novo levantamento da Rádio Gaúcha, também passou a constar um terreno público na esquina da avenida Aureliano de Figueiredo Pinto com a rua João Alfredo, no bairro Cidade Baixa. O local havia passado por reintegração de posse em julho do ano passado, para a construção de um espaço cultural. A obra não andou e oito pessoa voltaram ao local em 2015.
Natural de Santa Cruz do Sul, Márcio Maicon Ávila, de 27 anos, chegou ao terreno há quatro meses. "Sou usuário de crack, quero parar de uma forma ou outra. Já tive em clínica, mas tem que passar por avaliação e ir uma vez por semana. Só que tu fica usando igual, e eu quero sair hoje", diz Márcio.
Violência
Um dos personagens ouvidos pela reportagem em janeiro relatou ter sido alvo recente de agressões de moradores do Centro. Daniel Silveira, de 43 anos, teve que sair da Praça Brigadeiro Sampaio, após um ataque registrado no último dia 12. Quatro homens o agrediram com um pá. A cachorra Lois Lane apareceu morta sob suspeita de envenenamento. Daniel teve que ir para outro ponto do Centro.
"Um playboy me agarrou pelas canelas e ele e outros caras fizeram um ping pong. Me bateram tanto que eu nem sabia o que estava acontecendo", relatou Daniel.
Fasc
A prefeitura afirma que intensificou o trabalho. Segundo a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), 90 novas vagas em albergues foram abertas durante o inverno e foram mantidas à disposição. Agora, a capital conta com 445 vagas para adultos na rede de acolhimento.
Além disso, 44 novos agentes de abordagem devem começar a ser capacitados em dezembro. Eles irão atuar em bairros mais distantes e também em finais de semana. Hoje, a capital conta com apenas nove agentes, que trabalham apenas no Centro e em horário comercial.
"Precisamos ter condições de deslocar equipes de abordagem e, com a presença constante desses profissionais, ter capacidade de fazer a população retomar vículos com suas famílias. Ou fazê-los acessar a nossa rede assistencial", afirma o presidente da Fasc, Marcelo Soares.
Outra ação que poderiam ajudar a compreender a situação da população de rua é o censo. Até hoje, a capital promoveu apenas um levantamento, em 2011, que contabilizou 1.347 moradores de rua. Quase 20% residiam em praças e parques. Recentamente, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi novamente contratada para fazer novo levantamento. A previsão de conclusão do censo é entre março e abril do ano que vem.