O fim de semana da Feira do Livro é dedicado ao crime e ao horror. O ficcional, ao menos. Uma série de atividades de sexta a domingo está pondo em discussão gêneros cada vez mais populares de literatura de massas (com a fantasia completando o tripé), e que ganharam adeptos no Brasil nos últimos anos. Mas o que, afinal, atrai tanto o público para essas obras?
- Não é apenas um gênero de literatura, acho que é o conceito de literatura popular como um todo que se tornou mais interessante para as editoras nos últimos anos: policial, horror, fantasia, a chick lit, e nisso a internet tem um papel fundamental. O leitor de fantasia, de horror, de policial, consegue encontrar hoje muita coisa na rede comentando e discutindo suas leituras, algo que não ocorria antes com a imprensa escrita, a não ser com algumas exceções - comenta o jornalista e escritor Eduardo Spohr, que participa hoje de um bate-papo sobre literatura fantástica e apresenta amanhã seu livro Paraíso Perdido, terceiro volume de sua série Filhos do Éden, sucesso muito construído no boca a boca dos leitores na rede.
Feira do Livro deste ano encolheu, mas primeira leva de vendas foi boa
Claro que fantasia e horror são gêneros que sempre tiveram seu apelo para um nicho de autores, mas se tornaram onipresentes nas estantes desde o sucesso de filmes como a saga O Senhor dos Anéis e dos livros da série Harry Potter, que formou alguns jovens autores que hoje transitam pela literatura fantástica. Embora tenha mantido sempre um público de leitores fiéis, o gênero policial também vem sendo redescoberto tanto por leitores quanto pelo próprio mercado brasileiro.
- Parece claro que há muitos autores hoje que estão "perdendo a vergonha" de escrever uma obra que possa ser classificada como policial, ou fantástica. O sucesso, inclusive crítico, de um autor como Luiz Alfredo Garcia-Roza facilitou uma aceitação maior dos livros, independentemente desses rótulos - diz Cezar Alcazar, que vai mediar na tarde deste sábado a mesa Nas Trilhas do Crime, com a participação dos autores policiais brasileiros Mouzar Benedito, Fernando de Abreu Barreto e Vera Carvalho de Assunção.
Literatura de gênero atrai público de diferentes países
Outra mesa sobre literatura de crime na Feira foi a que reuniu a finlandesa Leena Lehtolainen (que orgulhosamente acreditava ser a primeira finlandesa na Feira do Livro porto-alegrense) e o sueco Gard Svenn para falar sobre o crime perfeito. Para ela, que está publicando no Brasil seu romance Mulher de Neve (Vestígio), embora o crime mude de país para país, a literatura sobre ele viaja bem entre as nações por apelar a questões universais.
- Todos temos nossas questões e necessidades. Coisas com que sonhamos, coisas que desejamos. E a literatura policial aborda aquele conceito que pode alterar essas coisas: o crime. Esse é um dos elementos que explicam o apelo da literatura policial junto ao público - comentou Leena.
Cadeirante visita a Feira do Livro e relata as dificuldades
Já Gard Sveen argumenta que a imensa popularização do policial, e não apenas nos países escandinavos, se deve ao surgimento de grandes autores a representar o gênero.
- Na Escandinávia, por exemplo, há uma série de grandes autores como Stieg Larsson, Jo Nesbo, Henning Mankell, que tornaram a literatura de crime não só um sucesso de vendas, despertando o interesse do mercado, mas também obtiveram reconhecimento crítico pela qualidade de sua escrita.
Uma visão que, de algum modo, dialoga com a do escritor brasileiro Raphael Montes, um dos jovens autores a se dedicar ao gênero no país, com Suicidas (Benvirá), que esteve na Feira para uma palestra sobre como construir uma boa narrativa policial:
- Aos poucos, muitos estão vendo que o policial deixou de ser o que era na origem. Enquanto era só um quebra-cabeça, não tinha mesmo como ser reconhecido como grande literatura, mas temos agora muitos autores que se valem do policial para falar muito sobre como é o nosso mundo hoje. Pegando-se apenas dois sucessos recentes, como Garota Exemplar, da Gillian Flynn, ou Os Homens que Não Amavam as Mulheres, de Stieg Larsson: uma fala coisas muito fortes sobre os relacionamentos contemporâneos, e o outro trata da violência contra a mulher. Há um pano de fundo maior.