* Cientista político, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
A vitória apertada de Mauricio Macri nas eleições presidenciais encerra um ciclo de 13 anos de governos peronistas na Argentina. É a primeira vez que seu partido, a Proposta Republicana (PRO), conquista a Casa Rosada. Macri é um crítico liberal do nacionalismo econômico de Néstor e Cristina Kirchner, e enfrenta o desafio de governar em minoria no Congresso um país à beira da recessão e com sérios problemas estruturais.
Macri é empresário, filho de um imigrante italiano que enriqueceu como industrial. Seu envolvimento com a política começou em 1995, quando foi eleito presidente do clube Boca Juniors, à frente do time de futebol mais popular da Argentina. O cargo lhe deu visibilidade e serviu como base para vencer a disputa pela prefeitura de Buenos Aires, que exerceu de 2007 a 2015. Nesse posto se tornou o principal líder da oposição aos Kirchners.
Opositor Mauricio Macri é eleito presidente na Argentina e encerra era Kirchner
Os desafios e prioridades do novo presidente argentino, Mauricio Macri
Ascensão e Declínio do Modelo K
Nos governos de Néstor e Cristina, a economia cresceu muito, até 9% ao ano. A Argentina se recuperou da crise de 1998 - 2001, ajudada pelo boom global de commodities que favoreceu suas exportações agrícolas. As políticas sociais do casal contribuíram para expressiva redução da pobreza e da desigualdade.
Os Kirchner reverteram privatizações da década de 1990, voltando a colocar sob controle do Estado empresas como a petrolífera YPF e as Aerolíneas Argentinas. Anularam as leis de anistia e conduziram o mais amplo julgamento dos crimes das ditaduras da América Latina, com condenação de centenas de policiais e militares responsáveis por torturas e assassinatos.
O governo da Argentina havia decretado moratória da dívida externa nos turbulentos dias finais de 2001. Néstor conseguiu renegociá-la com significativa redução. Na diplomacia, ele e sua sucessora, Cristina, deram prioridade à aproximação com Brasil e Venezuela e à expansão da integração latino-americana.
Macri aposta no diálogo e na união nacional para ajeitar economia
Contudo, o "modelo K" também mostrava sinais de desgaste desde o fim da década de 2000. A inflação atingiu mais de 20% ao ano, e o governo manipulou os índices oficiais. A presidente Cristina teve conflitos com o agronegócio, por disputas sobre impostos, e com o principal grupo de mídia do país. Escândalos de corrupção atingiram o casal e seus mais importantes assessores.
As disputas com credores estrangeiros insatisfeitos com a renegociação da dívida foram frequentes e afastaram investidores. O percentual do investimento externo com relação ao PIB caiu para cerca de 25% do que era no início do governo dos Kirchner. A política de controle cambial também provocou dissabores, pois os argentinos tradicionalmente buscam na compra de dólares um refúgio contra os altos e baixos da economia. O crescimento econômico declinou na década de 2010 e estagnou neste ano.
Presidente eleito da Argentina quer suspensão da Venezuela do Mercosul
Perspectivas do governo Macri
Cristina não conseguiu emplacar nenhum aliado como candidato à presidência e acabou apoiando o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, que havia sido vice de seu marido mas depois se afastara do casal. Contudo, a lei eleitoral argentina permite que o mesmo partido apresente vários candidatos. Os peronistas se dividiram entre três. Além de Scioli, foi importante Sergio Massa, um ex-ministro de Cristina que também se tornara crítico a ela. O peronismo dividido favoreceu a oposição. Ainda assim, a vitória de Macri foi apertada - apenas 3% de diferença para seu rival.
O presidente eleito esforçou-se para atrair peronistas desiludidos com Cristina. Prometeu que não privatizará as empresas renacionalizadas e que manterá as políticas sociais. Suas principais propostas de mudança estão na área econômica, como liberalização cambial e redução de impostos. Macri defendeu a suspensão da Venezuela do Mercosul por violações de direitos humanos e o reinício de investigação sobre o envolvimento do Irã em atentados contra instituições judaicas em Buenos Aires na década de 1990.
As ideias do novo presidente agradam aos empresários e aos investidores estrangeiros, mas o mercado financeiro reagiu mal a sua vitória, com queda da bolsa e alta do dólar. O aparente paradoxo se explica pela preocupação com os problemas de governabilidade que irá enfrentar, como o Congresso dominado por seus opositores. Muitos duvidam de sua capacidade de implementar mudanças significativas e ainda está fresco na memória argentina o fracasso do último governo não peronista do país, Fernando de la Rúa, pela aliança UCR-Frepaso (1999 - 2001).
Macri se defronta com problemas estruturais de difícil solução: o longo declínio da indústria argentina, a queda global na demanda por suas commodities, a dependência do Mercosul - em particular do Brasil - para suas exportações de manufaturados e a polarização política que atrapalha qualquer negociação. Estará à altura desses desafios?