Um. Dois. Três. Quatro. No quinto chute no rosto, a mão que segurava o celular de dentro do carro para registrar a cena começou a tremer. Ao cruzar a Avenida Ganzo, entrar na Rua Vicente Lopes dos Santos e me deparar com um homem estirado no chão rodeado por outros que o agrediam física e verbalmente, vi um pequeno e lamentável retrato da atual situação da segurança pública do Estado.
Já faziam o que eu tive por primeiro impulso: conter aquela tentativa de linchamento. Pelo menos três pessoas abdicaram de suas tarefas - uma voltava do supermercado carregada de sacolas e outra parecia finalizar um tranquilo passeio pelas ruas ensolaradas - para, aos gritos, impedir que os golpes continuassem. Outros se aproximavam com um misto de medo e satisfação, claramente percebida pelas palmas que se seguiam após alguns dos chutes, a maioria, no rosto.
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Imobilizado e com um lado da face ensanguentada, o homem já não esboçava reação violenta, embora era a todo instante contido. Tantos foram os golpes que a ponta dos tênis de cor clara de dois deles foram tingidas de vermelho, e o sangue lhes subia as canelas.
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Já fui vítima à mão armada na rua - tive o carro arrombado a menos de cem metros dessa cena - e também dentro da minha própria casa. Não lembro de me sentir tão humilhada como a vez em que encontrei a casa conflagrada, objetos e pertences furtados, a gaveta de roupas íntimas convulsionada. Doeu. Revoltou. Ultrajou. Ultrajou como a cena desta segunda-feira. Palmas, gritos e assovios de "estamos no caminho certo"? Não creio.
Nesta segunda-feira, ao cruzar a Avenida Ganzo, entrar na Rua Vicente Lopes dos Santos e me deparar com um homem estirado no chão rodeado por outros que o agrediam física e verbalmente, percebi que estamos cada vez mais distantes de nós mesmos.
Veja imagens do episódio:
* Zero Hora