De um lado, sofás amontoam-se sobre a calçada embarrada. Do outro, armários desmancham-se em cima de colchões cobertos de lama. Num cenário de abandono forçado, até casas vazias e ainda com as marcas da enchente são vistas ao longo dos 650m da Rua Marquês do Pombal, no Bairro Americana, em Alvorada.
Depois de 20 dias de cheias, a água está recuando ao leito do Arroio Feijó e do Rio Gravataí, mas deixou marcas profundas.
Com a volta da energia elétrica, na segunda-feira, centenas de moradores retornaram ao bairro. A técnica de enfermagem Iara da Rocha, 51 anos, que nasceu no bairro e pela primeira vez viu a casa ser engolida pela água, voltou com o desejo de recomeçar, mesmo em meio às perdas materiais que chegam a R$ 30 mil.
Sobrou a saúde
No ano passado, Iara comprou móveis planejados para a cozinha e os três quartos da família, geladeira e máquina de lavar. A família foi surpreendida pelas águas na madrugada. Nada sobrou.
- Trabalho há 25 anos e empreguei todo o meu dinheiro nesta casa. Agora, foi tudo destruído. Ainda bem que ainda temos saúde - consolava-se.
Lixo nas ruas
Foto: Tadeu Vilani
Crescimento desordenado é um dos principais vilões
Pelo menos quatro vias do Bairro Americana - Avenida Beira-Rio e ruas Americana, Marquês do Pombal e Anita Garibaldi - ainda enfrentam problemas relacionados às cheias. O local fica no que o presidente do Comitê da Bacia do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso, define como zona dentro da cota de inundação das bacias. Teoricamente, não deveria haver casas ali.
- Houve um crescimento desordenado. O bairro foi avançando sobre a área por onde o Rio Gravataí se espraia até chegar ao Arroio Feijó, quando ele não consegue desembocar no Guaíba. O rio e o arroio transbordam quando há muita chuva. Não há mágica para fazer ficarem nos leitos - explica.
O casal Julia e Luis Carlos de Oliveira, de 44 e 47 anos, respectivamente, sentiu o problema na pele. Julia calculou que a enchente chegaria a 1,50m, como ocorreu em 2013. Enganou-se:
- Passou dos 2m.
Luis Carlos, que ontem jogava fora eletrodomésticos, quase se afogou nas águas da enchente:
- Meu bote virou no escuro, e eu não sei nadar. Me agarrei nele, enquanto me ajudavam a sair. Foi a coisa mais feia.
Dique ainda é projeto
Obra mais aguardada da história de Alvorada, a construção do dique no Arroio Feijó, que impediria o avanço das águas sobre a cidade, está em fase de estudos do impacto ambiental do projeto.
Vencedora da licitação da primeira etapa da construção, a Serviços Técnicos de Engenharia S.A. (STE) tem um cronograma que está em desenvolvimento: levantamento de dados, diagnóstico de campo e estudos de concepção, entre outras ações.
Conforme o prefeito Sergio Maciel Bertoldi, o Professor Serginho (PT), esta etapa do projeto deve durar até dezembro deste ano. O investimento na construção do dique com 21km de extensão é de R$ 228 milhões, recursos vindos do Governo Federal via Pac da Prevenção de Inundações.
A situação na cidade
- Pelo menos 106 pessoas ainda permaneciam ontem no Ginásio Municipal Tancredo Neves. No total, 13 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes desde 14 de julho.
- A prefeitura está usando duas retroescavadeiras e quatro caminhões para recolher os entulhos das ruas. Não há previsão para conclusão.
- Já foram retirados 1,2 mil metros cúbicos de entulhos deixados pelas cheias, totalizando 90 caminhões.
- Foram 400 metros cúbicos de areia retirados dos 9km de extensão do Arroio Feijó, no trecho de Alvorada, no trabalho de desassoreamento.
- Ainda há desabrigados também em Cachoeirinha (106 pessoas) e em Novo Hamburgo (16 pessoas).
Os números das perdas
Ano 2013* 2015
Ruas alagadas 31 98
Casas alagadas 2,5 mil 2,75 mil
Pessoas atingidas 10 mil 13 mil
Prejuízos** R$ 5,3 milhões R$ 8,75 milhões
* Ano da maior enchente enfrentada em Alvorada, até então, nas últimas três décadas.
* Gastos da prefeitura com limpeza urbana, transporte e segurança nos locais atingidos.
Lixo nas ruas
Foto: Tadeu Vilani