Prestes a ser votado na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, o Plano Municipal de Educação (PME) passou quase ileso às controvérsias. A última das metas do documento - a 23ª, que trata das políticas curriculares para garantir o direito à diversidade e identidade de gênero - está sendo contestada por instituições religiosas às vésperas da avaliação pelo Legislativo (o prazo final é quarta-feira, dia 24).
O PME é um planejamento da educação de cada município, que traça metas para a próxima década e estratégias para cumpri-las. A Arquidiocese de Porto Alegre enviou uma carta aos vereadores em que sustenta, entre outros pontos, que "o respeito às minorias não pode impor a todo custo a desconstrução de valores consagrados no âmbito familiar", que "a ideologia de gênero representa uma distorção completa ao conceito de homem e mulher" e que "o ser humano nasce masculino ou feminino, nisso se expressa sua identidade". Por fim, o texto questiona a imposição da "tarefa de estimular educacionalmente as crianças para que refreiem suas disposições biológicas em nome de teorias sociológicas, não consensuais e sem suficiente base científica".
- A Igreja, com sua experiência educativa, quer participar do debate. Temos outro ponto de vista e gostaríamos de aprofundar esse assunto. É importante apoiar essas pessoas nas suas especificidades, respeitá-las em sua individualidade, mas não vejo projeto educativo por trás desta meta - diz Dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre.
A discussão tomou proporção, inclusive, nacional. Ontem, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou que o tema tem sido "introduzido de forma silenciosa" em planos municipais de educação e que a ideologia de gênero "desconstrói o conceito de família, que tem seu fundamento na união estável entre homem e mulher".
O PME de Porto Alegre vem sendo elaborado desde 2013, com a participação de diferentes setores da sociedade em mesas abertas e audiências públicas para definir as metas e estratégias para a próxima década.
- Há coisas que são novidade para a sociedade como um todo. As pessoas têm direitos e visibilidades que poucos anos atrás não existiam. E a gente precisa se adequar a essa realidade, e não retroceder - afirma a assessora institucional da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Célia Trevisan.
Ela cita o exemplo do nome social (nome pelo qual pessoas trans e travestis preferem ser chamadas, em contraste com o nome registrado oficialmente), que já é aceito no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) e deve ser garantido no sistema educacional de Porto Alegre por meio da estratégia 23.14 do PME, caso seja aprovado.
O Conselho Municipal de Educação (CME) informou que já encaminhou um parecer favorável ao texto original, sem ressalvas. Secretário da direção do conselho, Glauco Dias afirma que a contrariedade expressa pelas entidades religiosas não têm poder legal de derrubar o plano, que, segundo ele, não fere a crença de ninguém e garante direitos previstos pela lei brasileira.