* Professor titular de Antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciências. Escreve mensalmente no PrOA.
Este ano, o Brasil completa 30 anos de redemocratização. O fim do regime militar foi um longo processo no qual a sociedade civil teve papel fundamental. Vivemos hoje num país em que podemos exercer nossos direitos e expressar nossas opiniões. A Comissão Nacional da Verdade, que encerrou seus trabalhos no ano passado, lidou com a importante questão dos crimes praticados pela ditadura e de quem tem que prestar contas por eles.
Um dos aspectos mais penosos de nosso passado recente diz respeito ao sequestro e ao desaparecimento de opositores do regime. Essas práticas odiosas são comuns em ditaduras e ocorreram em outros países latino-americanos. Elas constituem uma forma cruel de violação de direitos humanos porque deixam as famílias na incerteza e na esperança de que os desaparecidos possam um dia voltar.
O lindíssimo filme Nostalgia da Luz, que se passa no deserto de Atacama, no norte do Chile, mostra dois tipos de personagens. De um lado, os astrônomos para os quais essa região, com mínima umidade e poucas nuvens, permite uma visão privilegiada dos astros; de outro, parentes de presos políticos que procuram os restos daqueles que foram levados para lá e mortos durante a ditadura de Pinochet. São pessoas que não desistem e procuram uma resposta sobre seus familiares desaparecidos.
Há parentes procurando desaparecidos em outros países latino-americanos. As Mães da Praça de Maio, na Argentina, são um caso pungente. Os detratores injustamente apelidaram essas mulheres, sempre cobertas com lenços que trazem o nome dos filhos, de "Las Locas de Plaza de Mayo".
Assim como elas, o Brasil tem bons exemplos: um deles é o da estilista Zuzu Angel, que em 1976 entregou um dossiê ao secretário de Estado americano, Henry Kissinger, com denúncias envolvendo o desaparecimento de seu filho, Stuart Angel. Ao lhe relatar a tortura e a morte do filho pelos militares, Zuzu revelou o traço forte de sua personalidade quando afirmou: "Eu não tenho coragem. Coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade".
O que chama a atenção quando se trata de desaparecidos é que em geral são mulheres que estão à procura deles. Por que mulheres e não homens? Tradicionalmente na história da humanidade, há uma divisão de tarefas e emoções entre os gêneros. Aos homens caberia prover a prole e instituir regras; às mulheres cuidar dos filhos e transmitir-lhes energia afetiva.
São os homens que fazem a guerra, sem consultar as mulheres. São elas que reclamam os filhos e maridos que perdem nessas guerras.
O conceito de pátria, que está na raiz dos modernos estados-nações remete à figura do pater, palavra latina que significa pai. A pátria exige sacrifícios, inclusive estar disposto a morrer por ela. Não lutar por seu país em época de guerra é considerado deserção, crime punível com a morte. As guerras são decididas pelos adultos mas quem morre nelas, em geral, são os jovens. Não é por acaso que a arma mais antiga e sacrificada do exército se chame de infantaria. O patriotismo, essa forma disfarçada de exigir o sacrifício, é masculino.
Como ficam as mães nesse quadro? Por que não existem "mátrias", nações amorosas em que os filhos não precisariam ser sacrificados? As virtudes que a pátria exalta são em geral femininas: a justiça, a liberdade, a igualdade, a fraternidade. Elas são frequentemente retratadas por figuras de mulheres jovens cujos seios estão à mostra. Esse é o seio da mãe que alimenta os filhos, que muitas vezes serão sacrificados. São as mulheres que gestam e dão à luz os filhos. Na história das nações, elas aparecem muitas vezes como enlutadas, na condição de órfãs, viúvas e mães que perderam seus filhos em guerras sobre as quais não decidiram.
Não é, pois, por acaso que quem reclama os desaparecidos em ditaduras não são os pais, mas as mães e as avós. São elas que têm moral para exigir dos homens que prestem contas sobre o que fizeram com seus filhos e netos. Seria relativamente fácil reprimir uma manifestação de homens demandando seus filhos desaparecidos, mas quem teria coragem de fazer o mesmo com mulheres que procuram seus filhos e netos? Afinal cuidar dos filhos tem sido uma tarefa que a humanidade atribuiu às mulheres.
No Dia das Mães, a minha homenagem a todas elas.
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