Em atendimentos de urgência, uma ambulância tem prioridade de circulação e estacionamento. Não é apenas bom senso: está previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), desrespeitado na noite de quarta-feira por dois motoristas em Porto Alegre. Ao invadir o veículo de socorro que bloqueava a Rua Fernandes Vieira, no bairro Bom Fim, e o deslocar por 200 metros, a dupla arrastou consigo a incredulidade de alguns - mas também o apoio de outros.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) socorria uma senhora 83 anos com histórico de problemas cardíacos e um quadro de alteração de pressão e vertigem em um apartamento. Quando o veículo chegou ao local, não havia onde estacionar, relata a assessora técnica da Coordenação Municipal de Urgência, Elcilene Durgante. Assim, motorista e técnico em enfermagem deixaram o veículo em frente ao prédio da idosa com os sinais luminosos ligados, exigência da lei de trânsito, para evidenciar que estavam em serviço.
- A sensação que fica é de desrespeito. A ambulância só parou naquele local e naquela forma porque estavam tentando salvar a vida de um ser humano -, desabafa Elcilene. Segundo ela, a prioridade do Samu é a agilidade no atendimento à vítima.
- O Samu, assim como os demais serviços de urgência, tem como missão primordial garantir o direito fundamental à vida. Temos uma questão que se chama tempo resposta. O tempo levado para chegar até o paciente vai me dizer qual a qualidade e chance de sobrevida dessa pessoa. Em uma situação como essa, não se pode ficar procurando uma vaga para estacionar - aponta Elcilene.
Os socorristas que atendiam à ocorrência se surpreenderam ao não encontrarem o veículo onde haviam deixado ao término do atendimento.
- Se fosse com um familiar deles, não teriam feito isso - disse um deles.
Caso necessário, o deslocamento da ambulância poderia ter comprometido a transferência da vítima, por exemplo. Havia orientação do médico regulador, inclusive, de que a senhora fosse levada a um hospital, mas a própria família optou por procurar atendimento com o médico de referência - o que acabou por evitar um transtorno ainda maior.
O diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, reforça que não houve qualquer falha do motorista da ambulância. A orientação é que se minimize os impactos no trânsito em casos de emergência. O socorrista, porém, tem autonomia para estacionar o veículo no local mais seguro e mais acessível à prestação do atendimento.
- A emergência supera qualquer deslocamento. O senso de analisar o cenário do atendimento faz parte, inclusive, do próprio treinamento do socorrista e do motorista de ambulância - esclarece Cappellari.
O especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), classifica o episódio como "inédito" e um sintoma do que chama de despertencimento: as pessoas não se veem mais em comunidade, enquanto, na contramão, impera o individualismo.
- Nos últimos tempos, tem se repetido bastante esses episódios de limite do comportamento, do compartilhamento do espaço. A prioridade sempre deveria ser de qualquer veículo de resgate, mesmo em uma situação que, momentaneamente, prejudique a circulação dos demais.
* Zero Hora