O salão do Jockey Club ficou cheio na noite desta quarta-feira na audiência pública para debater a construção de um empreendimento no pontal do antigo Estaleiro Só. O evento serviu para que o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) fossem analisados. Foram momentos de muita divergência, inclusive entre os próprios moradores do bairro Cristal, na zona sul de Porto Alegre.
A apresentação do EIA-Rima foi feita pela empresa proprietária do pontal, a BM Par. Não foi constatado impacto significativo em diversos aspectos da obra, como atmosférico, sombreamento e efeitos na fauna e flora, apontou a empresa contratada pela BM Par para fazer o estudo. O projeto prevê uma torre comercial e um centro comercial com lojas, restaurantes, bares, cinema, entre outros serviços, e 1.721 vagas de estacionamento divididas em três pavimentos, além de um parque público.
A maior preocupação é com o incremento no trânsito em seis de 16 pontos avaliados. Por isso, há intervenções previstas, como a criação de uma faixa adicional na Avenida Padre Cacique (sentido Norte-Sul) e a ampliação da rotatória e de uma faixa na Avenida Wenceslau Escobar, entre outras interferências.
Fortes cobranças regulamentares e legais foram feitas. O engenheiro civil Henrique Wittler citou uma série de irregularidades que teriam sido cometidas. Entre elas, a necessidade de se construir um dique contra cheias, o que não está previsto no projeto. Também citou a proibição de aterro nas margens do Guaíba e a obrigação de respeitar a distância para construir na orla, contada a partir do fim da área do dique.
- Com o dique, a área total seria bem menor que os 59 mil metros quadrados, sobraria uns 16 mil metros quadrados. Mas o grande perigo é a previsão de construção de uma garagem subterrânea. Se tiver cheia no Guaíba, vai ser um Deus nos acuda - argumentou.
Vista do centro comercial a partir da Padre Cacique
Foto: Reprodução
Por fora das discussões técnicas, moradores mais humildes do bairro, mais especificamente da Vila Cruzeiro, discordavam sobre a validade ou não da obra. A presidente do Instituto de Integração Social da Vila Cruzeiro, Silvana Melo, defendeu a criação do chamado Parque do Pontal. Ela citou a violência e o uso de drogas no local:
- Vamos poder desfrutar um espaço que hoje é morto. Para a gente aproveitar a orla, temos que nos deslocar até o Gasômetro ou até Ipanema. A gente é muito carente de praças na região.
O conselheiro regional Paulo Jorge Amaral Cardoso foi crítico ao projeto. Ele comparou o Parque do Pontal a outros empreendimentos já construídos na região. O resultado das obras foi o afastamento da comunidade das áreas que se valorizaram:
- Cada vez que vem um novo empreendimento, a gente é empurrado mais para longe. Vocês acham que o povo vai ir ali (no Pontal)? O vileiro vai sentar do lado dos filhos de vocês? Claro que não. Esse lugar vai ser da burguesia, vai ser caríssimo. Temos 30 vilas irregulares, vocês acham que a prefeitura vai urbanizar? Não tem que ver só a orla, tem que ver o bairro. Nós não temos nem uma quadra de esportes.
Cardoso chamou a atenção em como os tiroteios constantes na Cruzeiro podem afetar o acesso ao pontal. Para ele, vai ser fácil fechar a área sob o argumento de que é preciso preservar a segurança.
A arquiteta Clarice Debiagi garantiu que, apesar de parte do espaço ser privado, o acesso será livre a toda a população por meio de alamedas que levarão ao Guaíba.
- Não vai ter porteira - ela prometeu.
Na quinta-feira haverá uma nova audiência pública, dessa vez na Paróquia Sagrada Família, no bairro Cidade Baixa.
O QUE O PROJETO PREVÊ
Atividades comerciais
- Jardim térreo com lojas
- Restaurantes, bares, discotecas
- Loja âncora (Leroy Merlin)
- Cinema: três salas convencionais e um cinema 3D
Parque público
- Área verde
- Espaços para lazer como quiosques pergolados, escadarias, arquibancadas para eventuais apresentações, caminhos, esplanadas, praças e recantos
- Atrações pontuais: relógio solar, ponto dos cata-ventos, praça das birutas, show de águas dançantes
Torre comercial
- Com 80 metros de altura, abrigará salas comerciais
Estacionamento
- 1.721 vagas privadas cobertas e 105 vagas públicas ao longo da pista de contorno do parque
OS PRÓXIMOS PASSOS
- O projeto já recebeu a classificação de "afeito" da prefeitura, ou seja, de que pode ser executado - embora seu conteúdo ainda possa ser alterado por exigência do município.
- A partir de agora, serão realizadas duas audiências públicas, ambas às 19h: uma em 8 de abril (Jockey Club), outra no dia 9 de abril (Paróquia Sagrada Família, José do Patrocínio, 954). Nas audiências poderão ser feitas críticas e sugestões. A partir daí, será elaborado um Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).
- Depois de pronto o EVU, o projeto segue para a Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge), que reúne várias secretarias municipais e pode estabelecer adaptações no projeto antes de aprová-lo em definitivo.