* Professor da UFRGS e curador convidado da mostra "Latin America in Construction"
Houve um tempo em que a inteligência brasileira acreditava num futuro melhor para todos, e a arquitetura moderna fazia parte dele, era seu instrumento e símbolo. Brasília (que completa 55 anos na próxima terça-feira) é um dos seus episódios chave - e foi atacada desde o início pela inteligência europeia e norte-americana, bem antes de a "capital da esperança" virar "ilha da fantasia," e os sonhos de desenvolvimento pleno morressem, ou hibernassem, na década perdida dos 1980, premida por inflação e pela dívida externa. Coincidência ou não, quando os mais antenados do Primeiro Mundo decretaram que a arquitetura moderna brasileira, já graciosa no Rio dos anos 1930 e austeramente brutalista na São Paulo dos anos 1960, nada tinha de milagre, não passava de miragem. Felizmente, há sempre uma década - ou duas - depois da outra.
A exposição Latin America in Construction: Architecture 1955-1980, em cartaz no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) até julho, não se concentra na arquitetura moderna brasileira de base carioca, consagrada pelo museu em retrospectiva precursora de 1942. O escopo é latino-americano, como na panorâmica que o museu montou em 1955. Mas a arquitetura brasileira importa nos 1,2 mil metros quadrados que a exposição ocupa e nos 375 documentos que a exposição comporta, a maioria originais do período. Está representada por obras exemplares, às vezes controversas, sempre provocativas, envolvendo Rio e Brasília, São Paulo e o Nordeste. E são obras construídas, com exceção de dois marcos logo na entrada da exposição. Um é a maquete de bronze da Cidade do Tietê ideada por Paulo Mendes da Rocha em 1980, um de nossos dois prêmios
Pritzker, o Nobel da arquitetura. Porto fluvial, seria polo de desenvolvimento regional a meio caminho entre a calha do rio Paraná e a costa, a 400 km da cidade de São Paulo. O outro é a aquarela que registra o saguão da primeira casa moderna de Lucio Costa, projeto de 1930. Onde móveis antigos conviveriam sem problema com a arquitetura nova despojada.
Os dois marcos dão o tom da seleção a seguir, tensa entre a conquista do território e a defesa da domesticidade, entre a expressão monumental despida de grandiloquência e a recriação dos lugares do cotidiano, preocupada com o cuidado e o cultivo do corpo e do espírito, comprometida com a contemporaneidade e engajada na preservação e reciclagem do patrimônio, explorando modos de construir que vão da racionalização do canteiro tradicional à pré-fabricação, aliando a sofisticação do cálculo estrutural à disponibilidade de mão de obra não qualificada, ora fazendo palácio e ora voltada para a qualificação da favela, sempre às voltas com a praça entendida como a âncora da vida em comunidade. Com apoio significativo do poder público, da iniciativa privada e da parceria entre ambos. Os destaques são clássicos que os gringos desprezaram ou desconheceram e agora redescobrem.
Está a Brasília multidimensional de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, da Praça dos Três Poderes e das superquadras. Vai o Parque do Flamengo, no Rio, de Burle Marx e Affonso Eduardo Reidy, integrando infraestrutura, uma paisagem herdada e a natureza plantada pelo homem. O Museu de Arte Moderna do Rio de Reidy, incorporado ao Parque do Flamengo, contrasta com o Museu de Arte de São Paulo que Lina Bo Bardi projeta prolongando o Parque do Trianon. São Paulo mostra o seu lado brutalista em equipamentos esportivos, recreativos e escolares, como o Ginásio do Paulistano de Mendes da Rocha, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - assinada por Vilanova Artigas -, e as torres esportivas que Lina concebeu para o Centro de Lazer SESC Pompeia.
Quanto a Porto Alegre, bem, quase emplaca - com o Hipódromo do Cristal do uruguaio Fresnedo Siri que a cidade está deixando apodrecer, ou a Ceasa desfigurada de nascença, projeto de Carlos Fayet e Claudio Araujo, com a consultoria estrutural do também uruguaio Eladio Dieste. Mas a concorrência era forte, e o espaço, limitado.
Talvez agora, com a publicidade internacional que acompanha todo evento feito pelo MoMA, mais gente reconheça que a arquitetura moderna brasileira é patrimônio que não só merece ser resguardado, como pode até garantir divisas via turismo cultural. E que mais gente trate de refletir em por que não conseguimos mais repetir os feitos sustentados antes por meio século tanto em qualidade como em quantidade.