Embaixador aposentado, ex-chefe do Departamento de Oriente Médio do Itamaraty. Serviu no Iraque e no Irã, entre outros países.
O que sei sobre o genocídio armênio me foi transmitido por meu pai e pela leitura de uma coletânea de documentos, contendo principalmente depoimentos de diplomatas e missionários americanos que se encontravam no Império Otomano à época, entregues a sir Edward Grey, Visconde Grey de Falladon, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra. Esses depoimentos foram reunidos em uma coletânea pelo Visconde Brice em um livro, O Tratamento dos Armênios no Império Otomano, publicado em Londres, em 1916.
Meu pai nasceu na Província de Sivas, distrito de Gemerek, Anatólia, em 1907. Sivas concentrava um comércio florescente e uma indústria bastante dinâmica, que em alguns aspectos rivalizava com a indústria da Europa Ocidental. Sobreviveu ao genocídio por ter sido acolhido por uma família turca muçulmana. Toda a família Tutikian foi morta ou desapareceu, com exceção de meu pai e dois tios. Meu pai, com sete anos, minha tia, com nove, e meu tio, com três, sobreviveram graças à referida família turca que os acolheu e posteriormente os entregou a missionários protestantes americanos, que levaram meu pai e seu irmão para um orfanato masculino em Antelias, e sua irmã, para um orfanato feminino, na Grécia, onde ela veio a falecer. Graças à generosidade do povo americano, que mantinha com suas doações esses orfanatos, meu pai recebeu uma excelente educação. Aos 21 anos, deixou Antelias e emigrou para o Brasil, tendo chegado a Porto Alegre em 1928.
Mas o massacre de 1915 é o ponto culminante de uma relação tensa entre otomanos e armênios, já marcada por violência e por perseguições religiosas. Minha mãe nasceu no Brasil. De família abastada, meu bisavô tinha uma frota de navios que transportavam carga de e para os portos de Trieste e Alexandria. Eram da Cilícia, a "Pequena Armênia" ("la petite Arménie"). Viviam em um distrito da cidade portuária de Alexandreta, onde meu bisavô exercia funções semelhantes às de prefeito. Por ter desobedecido, certo dia, à proibição do sultão Abdul Hamid (1895 - 1897) - conhecido como Sultão Vermelho, por sua crueldade - de soar os sinos das igrejas, foi preso. O sultão, à semelhança do Estado Islâmico de hoje, depois de torturá-lo arrancando-lhe as unhas, decapitou-o, entregando sua cabeça a minha bisavó. A família imediatamente fugiu para Alexandria, onde possuía uma propriedade para veraneio. Em 1912, viajaram para o Brasil, estabelecendo-se em São Paulo. Meu bisavô foi considerado mártir da Igreja.
Quis o destino que a conselheira Helena Gasparian, também de origem armênia, e eu fôssemos mandados pelo Ministério das Relações Exteriores em missão oficial à Turquia.
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