* Professor titular de Antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciências. Escreve mensalmente no PrOA.
O Brasil é o país da ambiguidade. "Passa lá em casa", para nós, não é um convite, mas uma forma de ser gentil sem nenhuma consequência ou pressuposto de visita. Mas muitos estrangeiros reagem à frase com a indagação "quando?". Por outro lado, "gostaria que você viesse na nossa casa neste sábado, às 8h30min" sim é um convite. Alguns estrangeiros chegarão pontualmente às 8h30min com medo de que a comida já esteja pronta e possa esfriar. Um brasileiro provavelmente sabe que o 8h30min na prática significa "não chegue antes das 9h porque nada estará pronto". Um convite para visitar alguém num sábado à noite no Brasil significa que haverá jantar, mas isso em geral não é explicitado. Em outros países, se não houver menção ao jantar, o convite pode ser apenas acompanhado de café ou chá, principalmente se for na Inglaterra.
Nos Estados Unidos, quando numa esquina está escrito Stop, o motorista deve parar totalmente. No Brasil, frequentemente, engatamos uma segunda marcha, reduzimos um pouco a velocidade e, se não houver perigo iminente, seguimos adiante. Isso nos Estados Unidos se chama "Hollywood stop" e implica uma pesada multa, pois configura uma "moving violation" (infração em movimento).
Nada mais ambíguo que as filas no Brasil. Em primeiro lugar, há sempre aqueles que acham que as filas não foram feitas para eles e que usando o "você sabe com quem está falando" vão diretamente atrás do guichê falar com o chefe. Mesmo aqueles que entram em fila o fazem de forma caótica do ponto de vista de pessoas de outros países, onde a fila costuma ser reta com uma pessoa atrás da outra, esperando pacientemente sua vez. Há também a possibilidade de se formarem duas filas para o mesmo guichê. E sempre se pode chegar no meio da fila e conversar com um conhecido e lá permanecer. Quando alguém reclama, ela automaticamente fica no papel do antipático. Já em outros países, furar fila pega muito mal.
Mas não é só no trânsito e nas filas que somos ambíguos. Há uma série de expressões que são difíceis de entender. Assim, "pois não" significa "claro que sim", ao passo que "pois sim" se traduz por "claro que não". Carros de segunda mão são anunciados como "seminovos". Políticos, às vezes, são referidos como sendo "bastante honestos", algo semelhante à uma mulher "um pouco grávida". E quando deparados com um categórico "não" diante de um pedido descabido, os brasileiros frequentemente reagem dizendo que não estão entendendo. Seria o caso de perguntar: "qual é a parte do não que você não entendeu?".
A ambiguidade obviamente tem vantagens e desvantagens, dependendo de onde nos localizamos na hierarquia social. Ela permite contornar regras burocráticas que não fazem sentido, argumentando com o funcionário que nos atende. Ela também permite criatividade no dia-a-dia. Já a rigidez, ao tornar a regra igual para todos, deixa pouco espaço para manobra quando temos que resolver problemas complicados. E todos nós sabemos que, no Brasil, a vida é cheia de problemas que necessitam de muita criatividade para serem resolvidos.