Ele divide com Adam Smith e David Hume a origem escocesa e a paixão pelo pensamento econômico. Mas, enquanto os ilustres autores do século 18 desconfiavam profundamente do papel do Estado, o cientista político Mark Blyth considera-se uma encarnação das potencialidades do investimento da receita de impostos na melhoria da condição social e educacional das massas. Órfão de mãe com três semanas de vida e com pai ausente, Blyth foi criado pela avó paterna, que dispunha apenas de uma aposentadoria pública para prover seu sustento.
- Tive educação e refeições escolares gratuitas da escola até a universidade. Se não fosse por essas instituições e essas transferências resultantes de impostos, seria muito mais pobre, com menos oportunidades na vida - afirma.
A obra mais conhecida de Blyth, Austeridade - A História de uma Ideia Perigosa (publicada em Portugal pela editora Quetzal e inédita no Brasil), é uma clara e erudita imersão em um dos grandes argumentos dos adversários do Estado de bem-estar social: o de que quanto menos o Estado gastar, melhor será para todos. Em busca das origens dessa tese tão popular nos dias de hoje, o autor revisita Smith, Hume e John Stuart Mill e mostra como seu uso abusivo desemboca no impasse vivido hoje pela Grécia e outros países europeus. De Providence, onde é professor na Brown University, Blyth conversou por telefone na quinta-feira com Zero Hora. A seguir, uma síntese:
Pesquisar a austeridade como discurso não parece uma abordagem comum de problemas econômicos. Por que optou por esse caminho?
Sempre me interessei por ideias econômicas porque não são como o que se encontra em física e matemática. Em física, há constantes: a velocidade da luz, a gravidade e outras coisas assim. Há fórmulas que não mudam ao longo do tempo. Mas, na economia, as pessoas aprendem leis que descrevem seu comportamento. E então isso muda seu comportamento. Não existe física da economia: trata-se de algo em constante evolução. Isso significa que as histórias que contamos sobre economia são muitíssimo poderosas. São parte da própria economia. Quem controlar a narrativa dominante sobre como o mundo funciona conseguirá edificar o mundo segundo esses parâmetros. Assim, o contexto das ideias econômicas é sempre e em qualquer lugar um contexto político.
O senhor sustenta que a popularidade da noção de austeridade deve-se mais a considerações morais e políticas do que propriamente econômicas. Por quê?
Histórias e teorias econômicas contêm sempre histórias distributivas. Se você é um keynesiano, se está do lado da demanda, isso significa que os mais importantes agentes da economia são os consumidores. Isso significa que milhões de decisões tomadas por milhões de cidadãos médios são o que dirige o lado da oferta. Se você discorda disso, ou seja, se acredita que a oferta é mais importante do que a demanda, isso o levará a crer que as pessoas mais importantes são os empreendedores, os capitalistas, os investidores. Em ambas as histórias, há consequências distributivas. Se você é um keynesiano numa recessão e alguém diz "Menos impostos", se você acredita que o consumo é importante, você terá de cortar impostos dos que estão na base da pirâmide de distribuição de renda. Se você é um neoclássico nessa recessão e alguém diz "Menos impostos", você terá de dizer "Não" ou então fazê-lo no topo da pirâmide de distribuição de renda, porque isso ajudará os capitalistas a investir mais ao dar-lhes mais dinheiro. Assim, sempre e em todo lugar, essas histórias econômicas contêm consequências distributivas, e é por isso que, em última instância, mesmo os economistas são atores políticos.
Um argumento em favor da austeridade é o que se poderia chamar de realista: não haveria alternativa. A austeridade seria "o único jogo na cidade", expressão sua. O que diz sobre isso?
Se é o único jogo na cidade, é um jogo que termina no momento em que todo mundo perde. Com o intuito de poupar, que é, em última instância, o que a austeridade está fazendo - ela tenta poupar para ter mais do que se tinha antes -, deve haver uma receita a partir da qual você possa poupar. Se todos tentarem poupar ao mesmo tempo, tudo que você consegue é reduzir o tamanho da economia. E quando você reduz o tamanho da economia numa situação de endividamento público, o estoque da dívida torna-se ciclicamente maior. Imagine uma economia em que o governo tem 40% do Produto Interno Bruto (PIB) e a relação dívida/PIB é de 100%. Se o governo decide cortar gastos públicos em 50%, isso é equivalente a uma queda de 20% do PIB. Quando você faz isso, a proporção do PIB em relação à dívida cai de 1:1 para 1:0,8. Ninguém corta impostos, ninguém aumenta gastos, e agora você tem uma proporção de dívida maior (em relação ao PIB) e não menor. A dívida da Grécia é tão grande principalmente porque seu PIB caiu em um terço desde o começo da crise. O maior crescimento da dívida ocorreu em países que cortaram mais gastos públicos. Assim, a noção - em favor da qual não há nenhuma evidência, em termos simples - de que o corte de gasto público é o único jogo da cidade só é verdadeira se o jogo que você estiver interessado em jogar for o suicídio.
Depois da Grande Depressão, houve deflação e polarização política. Estamos assistindo a isso novamente?
O que vemos hoje lembra os anos 1930 no seguinte sentido: quando parlamentos se recusam a agir, há uma deflação geral e uma longa recessão que cria desemprego elevado por muito tempo, consequentemente as pessoas deixam de votar a favor disso. Ninguém vota a favor de uma recessão que dura 15 anos. O voto irá para os que forem a favor do fim da recessão, independentemente de serem conservadores ou não. Isso levará à polarização política. A Grécia é um exemplo. Se Syriza fracassar e o governo cair, não se sabe o que virá, porque você estará dizendo ao povo grego: "Não importa em quem vocês votam, os poderes europeus vetarão o seu voto. Vocês podem eleger outro governo, fazer uma nova série de demandas, e iremos vetá-las também". Se a Europa está a ponto de se tornar um lugar onde a democracia morre a fim de salvar os interesses dos credores, não deveríamos nos surpreender com o fato de a política adquirir um tom muito populista e reacionário.
Analistas dizem que há dois caminhos para o governo de Syriza: recuar de suas propostas ou deixar a zona do euro e, eventualmente, a União Europeia. O senhor concorda?
Ou ocorre um acordo em torno de algo como títulos da dívida de longo prazo vinculados ao PIB e se vai adiante, ou prevalece o ultimato do Banco Central Europeu (BCE), o que está claramente além do mandato dessa instituição. Nesse caso, cessará o financiamento, os bancos quebrarão e a economia grega entrará em colapso. O sentido da política monetária europeia desde 2012 tem sido basicamente injetar recursos para que não haja fuga massiva de capitais e os bancos não quebrem. O que está sendo feito agora é basicamente forçar a fuga de capitais. A menos que o BCE esteja brincando com fogo, sua aposta é de que os gregos vão voltar atrás. Os gregos, por outro lado, não têm nada a perder. Estão insolventes, não têm liquidez, simplesmente não podem pagar. Assim, se desistirem e se retirarem, sofrerão muito, mas não haverá escolha - uma consequência que o BCE terá de encarar.