Junte um punhado de mentes inquietas, dezenas de chefs de cozinha querendo se aproximar da comunidade, meia dúzia de espaços públicos mal utilizados, milhares de porto-alegrenses famintos por novidades e uma pitada de coragem. Misture tudo sem medo e mexa com cuidado. Sirva em um fim de semana de sol.
Foi dessa receita simples, com ingredientes até então pouco explorados, que se originaram os eventos gastronômicos a céu aberto que caíram nas graças dos porto-alegrenses. E não param de se disseminar pela cidade.
Primeiro a movimentar a capital gaúcha, em 2012, o Piquenique Noturno com os Chefs nasceu com uma proposta híbrida: ao mesmo tempo em que reunia profissionais da alta gastronomia em um ambiente novo - o Parque Moinhos de Vento (Parcão) -, produzindo criações exclusivas a R$ 10, tinha como objetivo chamar a atenção para a falta de iluminação e segurança nos parques.
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- A ideia era reunir alguns chefs, mas que as pessoas também pudessem levar suas cestas, receitas e bebidas. Mas também tem o viés temático, sempre ligado a uma causa social, que mantivemos - conta o chef Jorge Nascimento, um dos organizadores do evento, que, em junho, reuniu 2,7 mil pessoas no Parcão.
De acordo com o chef, o piquenique foi inspirado no Jantar de Branco, que ocorre em Paris há mais de 25 anos. A comida de rua "gourmet", no entanto, se apresenta em vários formatos pela Europa e nos Estados Unidos, onde os food trucks (caminhões que vendem comida) ressurgiram com força em cidades como Miami e Los Angeles há uma década. A modalidade também se fortaleceu em São Paulo, onde foi criada uma legislação específica sobre o tema.
Com o mercado da comida de rua aquecido, eventos para comer bem em espaços abertos começaram a pipocar na capital gaúcha. Praças, parques e estacionamentos viraram salas de jantar em potencial, abrigando os eventos, que se destacam pela popularidade. Mais famoso deles, o Comida de Rua chegou a reunir 15 mil pessoas na Praça da Alfândega em maio.
A possibilidade de experimentar alta gastronomia a preços camaradas é um dos principais atrativos dos encontros. Confit de pato, couscous marroquino, coelho com polenta e bobó de camarão são pratos que Julio Cefis já serviu no Comida de Rua. Algumas das criações integram o menu do restaurante The Raven, onde atua como chef, e custam em torno de R$ 50. Na rua, foram vendidas a R$ 10.
- A porção do restaurante é maior, é claro. Mas como no evento não precisamos de tanta estrutura e funcionários, se consegue uma boa qualidade por pouco preço. Eu sempre sonhei em poder comer um bobó de camarão na rua. É enriquecedor ver as pessoas reagindo a isso, provando uma coisa nova - destaca o chef, que participou de cinco das seis edições do Comida de Rua.
No Pop Up Tour, que levou chefs como Roberta Sudbrack, cujo restaurante, no Rio de Janeiro, figura entre os melhores da América Latina, a praças e parques de Porto Alegre em 2013, as criações custavam R$ 15. Já o Food Park Bom Fim, que ocupou um estacionamento da Avenida Venâncio Aires em três finais de semana de julho, deixa os valores a critério dos chefs.
Mais do que saciar a fome por novidades dos porto-alegrenses, no entanto, os encontros retomam uma pauta social. Com origem, periodicidade e propostas diferentes, eles apresentam um ponto em comum: convidar as pessoas a conviverem mais em locais públicos. Para a mestre em Turismo Susana Gastal, a mudança de patamar da comida de rua transformou o ato de comer em expressão cultural.
- No mundo todo houve uma explosão desse tipo de evento nos últimos 10 anos. A comida de rua passou a ser tratada como gastronomia de rua e comer deixou de ser só um ato social. Agora, é um ato cultural. Acho que veio para ficar, porque o porto-alegrense gosta de estar na rua e de movimentá-la - avalia.
Conheça os eventos de comida de rua em Porto Alegre:
Piquenique Noturno com os Chefs
Evento ocorreu em outros locais, mas se fixou no Parcão
Foto: Adriana Franciosi, Agencia RBS
Defender o uso noturno dos parques para promover mais segurança, permitindo o encontro de chefs de cozinha com a comunidade, era a ideia do primeiro Piquenique Noturno com os Chefs, em 2012. A cada nova edição, porém, o evento abraça novas causas.
- Já recolhemos agasalhos e outros tipos de doações - conta o chef Jorge Nascimento, que organiza o evento com Sigrid Diers e Pedro Loss.
A nona edição, em setembro, pede que os participantes levem um litro de leite, que será doado ao Asilo Padre Cacique. Em troca, mais de 20 chefs de cozinha vendem criações exclusivas, com temática "piquenique", a R$ 10 cada uma. As bebidas devem ser levadas de casa, assim como toalhas para sentar no chão.
Uma das peculiaridades do evento é ir além da compra e venda de alimentos. A organização estimula as pessoas a levarem suas próprias criações ou receitas de família para interagir com os chefs. As receitas feitas para o evento estão sendo compiladas, e devem ser disponibilizadas em um e-book gratuito em breve.
- Como fazemos questão de que o parque seja compartilhado, vamos compartilhar as receitas também - conclui Jorge.
O clima familiar do piquenique noturno já levou mais de 4,5 mil pessoas ao Parcão, principal ponto de realização do evento.
Periodicidade: mensal ou bimestral, aos sábados
Próxima edição: 13 de setembro, no Parcão
Como acompanhar: www.facebook.com/Piqueniques
Comida de Rua - A Feira
Quarta edição da feira fechou parte da Rua da República, na Cidade Baixa
Foto: Andréa Graiz, Agencia RBS
Focado em apresentar versões criativas de refeições populares e pratos da alta gastronomia para o público a um preço acessível, o Comida de Rua - A Feira, surgiu em 2013, como um desdobramento do projeto pessoal de seu idealizador, Rodrigo Paz.
Depois de trabalhar em Buenos Aires e São Paulo, o chef porto-alegrense voltou a sua cidade natal tentado a abraçar a gastronomia a céu aberto. Depois de algumas investidas solitárias, trabalhando com releituras e combinações de clássicos da comida de rua, como o pancho de churros - salsicha especial servida como um hot dog, só que acomodada em uma massa de churros -, Rodrigo resolveu reunir colegas para colocar em prática algo maior: a feira.
O sucesso inesperado veio já na segunda edição - primeira em um espaço público -, no Largo Zumbi dos Palmares, em novembro. As filas começaram a se formar meia hora antes do evento ter início, e a comida acabou bem antes da fome de quem rumou para a Cidade Baixa naquele domingo.
- Vimos que Porto Alegre tinha essa demanda muito reprimida. O público é aberto e quer novidades, mas, por muito tempo, sentiu-se órfão da rua - afirma Rodrigo.
Com os problemas corrigidos, a sexta e mais recente edição, realizada em maio na Praça da Alfândega, reuniu mais de 15 mil pessoas. Agora, a prefeitura estuda incluir o evento no calendário oficial da cidade.
Periodicidade: mensal, aos domingos
Próxima edição: 21 de setembro, na Praça da Alfândega
Como acompanhar: www.facebook.com/comidaderuapoa
Food Park Bom Fim
Estacionamento na Av. Venâncio Aires sediará o evento até dezembro
Foto:Divulgação
Foi em férias na paradisíaca Paraty, no Rio de Janeiro, que Lawrence Andreis teve o primeiro contato com um food truck. Seduzido pela experiência, que começou como cliente, deu um passo tão ousado quanto definitivo: deixou seu emprego no restaurante Le Bilboque, em São Paulo, para produzir e vender sanduíches sobre rodas na cidade carioca.
Um ano depois, o chef retornou ao Rio Grande do Sul de mala, cuia e com um plano traçado em mente. Começou comprando e reformando uma Kombi.
- Abri o teto para poder entrar, coloquei uma bancada de inox, geladeira e fogão - conta o chef de 26 anos.
O Versão Brasileira, como chamou seu food truck, rodou por eventos na capital gaúcha até estacionar em um projeto novo. Foram mais de 30 locais pesquisados até que Lawrence encontrou a sede do Food Park Bom Fim - um estacionamento na Venâncio Aires, próximo ao Colégio Militar.
Com chefs se revezando em cinco trucks, que vendem de massas a temakis, passando por hambúrgueres e doces, o evento movimentou o local em três finais de semana de julho. A ideia é torná-lo semanal a partir de setembro, quando São Pedro faz as pazes com Porto Alegre. Os organizadores estudam, ainda, realizar eventos itinerantes em lugares públicos da cidade.
Periodicidade: sextas, sábados e domingos de sol até dezembro
Próxima edição: 15 de agosto
Como acompanhar: www.facebook.com/bomfimfoodpark
Pop Up Tour
Chef Roberta Sudbrack movimentou a primeira edição
Foto: Adriana Franciosi, Agencia RBS
Idealizado pelo site Destemperados, que surgiu com o objetivo de apresentar a gastronomia pelo olhar de quem consome, o Pop Up Tour apostou nos caminhões gastronômicos para levar alta gastronomia a praças e parques da cidade. De 14 de maio a 21 de junho, o food truck, um caminhão com uma cozinha adaptada, estacionou em lugares como a Praça Japão, o Largo Zumbi dos Palmares e o Parcão.
Restaurantes como o Sushi by Cléber, Fazenda Barbanegra e Boteco Natalício prepararam receitas para o evento. A iniciativa também contou com a participação de chefs que atuam fora do Estado, como Roberta Sudbrack, proprietária de um restaurante no Rio de Janeiro. Ao todo, o projeto apresentou 20 pratos.
- Queríamos tirar os chefs das cozinhas e colocá-los em contato direto com o público, proporcionando uma experiência inédita para os dois lados - explicou Diego Fabris, um dos fundadores do Destemperados.
Periodicidade: primeira edição ocorreu entre maio e junho de 2014
Próxima edição: ainda não há data definida
Como acompanhar: www.destemperados.com.br