A declaração da ex-deputada federal Manuela D’Ávila de que está “sem partido” causou estampido no PCdoB, sua única legenda em mais de 25 anos de militância, e nas demais siglas do campo político. Em debate sobre o futuro da esquerda promovido pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), na noite de quarta-feira (16), ela esteve ao lado de uma maioria de críticos ao establishment do PT e ao governo Lula 3. Manuela, uma das principais lideranças da esquerda nacional surgida após o ano 2000, fez contraponto no debate ao deputado federal Lindbergh Farias (PT), que atuou na defesa do governo Lula.
Debatedores criticaram a política econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e a composição política com o centro em nome da governabilidade. Manuela verbalizou o incômodo com supostas pressões de setores da esquerda contra o debate público de pautas identitárias – um reposicionamento do PT para tentar aproximação com alas conservadoras e religiosas da sociedade. Para ela, temas raciais e de gênero não deveriam ser descolados da chamada luta de classes. Como pano de fundo, está a crise da esquerda, apesar de o PT estar na Presidência da República, e o rumo do campo político. Enquanto a linha hegemônica do PT costurou aliança com o Centrão e setores do empresariado para assegurar a governabilidade, uma ala de esquerdistas abriu embate pela retomada de um discurso anti-establishment e antissistema aos moldes dos anos 1990, antes da ascensão ao poder. São temas que, hoje, viraram pauta da direita, enquanto a esquerda tradicional tem atuado como fiadora das instituições.
Nos bastidores, a avaliação do movimento de Manuela, que falou reiteradamente em lideranças jovens, é de que um novo campo político está lançado, à esquerda do PT, com o objetivo de fazer disputa ideológica com a direita. Numa luta geracional, foram ingredientes a defesa da retomada de utopias e de ideias socialistas revolucionárias. Esse pretenso novo campo político se ensaia sem um partido: o PT, um dos principais alvos das críticas, não está posto como opção. Tampouco o PSOL, por conta de divergências regionais e por alianças recentes com o lulismo, aparece como caminho natural.
— O mínimo é o direito de debater com franqueza. Sinto certa obstrução. Cada vez que a gente abre uma mesa sobre como avançar na esquerda, a gente escuta: "Opa, estão ajudando o Bolsonaro." Eu não tô. Quem nós nos tornamos nesse mundo em crise? Nos tornamos defensores de uma certa institucionalidade que nós, originalmente, deveríamos enfrentar — afirmou Manuela, que considerou um difícil paradoxo defender as instituições democráticas e, ao mesmo tempo, retomar uma postura contestadora do sistema.
A ex-deputada, aos 43 anos, rejeitou a ideia de que toda a esquerda está desconectada das massas populares. Para demonstrar isso, citou eleições e votações expressivas recentes dos jovens deputados estaduais gaúchos Matheus Gomes (PSOL) e Bruna Rodrigues (PCdoB-RS), além de Renato Freitas (PT-PR), este último participante do debate. Ela apontou um laço, nas ascensões políticas deles, entre as pautas raciais e dos trabalhadores urbanos. Manuela definiu os mencionados como lideranças “extraordinárias que surgiram na esquerda e que são sufocadas pelos nossos partidos”.
— Hoje eu sou uma mulher sem partido. Posso criticar a todos eles — declarou.
Ela ainda afirmou que os jovens parlamentares de esquerda conseguem se comunicar nas redes sociais com a população, técnica que, há anos, tem hegemonia da direita radical.
— Qual o nosso desafio na comunicação? Entender as plataformas? Até é, mas não é o central. A gente erra na política. Por que a comunicação do Matheus dá certo? Dá certo conectada às pautas do tempo real — opinou.
No curso do debate, a ex-deputada se mostrou mais alinhada com o historiador Jones Manoel, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), uma organização política sem registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e de Renato Freitas, que deu entusiasmado discurso pela queda do status-quo. Jones Manoel e Renato Freitas fazem defesa de ação enérgica à esquerda. Apesar disso, Manuela disse não ser contra o conceito de frente-ampla que elegeu Lula para o terceiro mandato em 2022, na disputa presidencial mais acirrada da história do Brasil.
— Nós somos a esquerda da frente frente-ampla. Se não tem esquerda, é frente de centro-direita. O papel da esquerda é ser quem organiza a luta da esquerda, sem medo de achar que isso prejudica o governo Lula. O nosso papel é disputar o rumo desse governo — afirmou.
No PCdoB, partido que forma federação com o PT e o PV, as declarações de Manuela causaram baque. Embora circulassem especulações sobre o distanciamento, havia uma percepção de que qualquer ruptura só aconteceria mais tarde. A sigla é pequena e Manuela é a principal liderança nacional, mesmo sem exercer cargo público desde 1º de fevereiro de 2019, quando encerrou o mandato de deputada estadual. Jornalista e escritora, Manuela é uma empresária de comunicação bem sucedida atualmente: no segundo turno das eleições, está trabalhando para as campanhas de Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, e Natália Bonavides (PT), em Natal. Ao buscar a formação de um novo campo de esquerda, permeado por jovens, ela é vista como alguém que pode exercer tanto o papel de liderança-guia quanto de futura candidata, desde que o intento tenha sucesso e encontre um abrigo partidário.
Zero Hora procurou Manuela para entrevista. Houve sinalização positiva, mas o contato não se concretizou. Também foram procurados os presidentes estadual do PCdoB, Antônio Augusto Medeiros, e nacional, Luciana Santos, mas não houve retorno. Via assessoria de imprensa, o PCdoB gaúcho afirmou que “não há pedido formal de desfiliação e a direção está em contato com ela.”
Lindbergh, que esteve pressionado pelos demais debatedores na maior parte do tempo, afirmou:
— É um erro de vocês ficarem falando em superar Lula. Lula é nossa grande esperança para 2026.
Mandatos de Manuela D’Ávila
- Eleita vereadora de Porto Alegre em 2004
- Eleita deputada federal em 2006
- Reeleita deputada federal em 2010
- Eleita deputada estadual em 2014
- Candidata à prefeitura de Porto Alegre em 2008, 2012 e 2020
- Candidata à vice-presidência na chapa de Fernando Haddad em 2018
PCdoB no RS
- 1 deputada federal: Daiana Santos
- 1 deputada estadual: Bruna Rodrigues
- 11 vereadores eleitos: em Porto Alegre (2), Caxias do Sul (2), Santa Maria (1), Erechim (1), Alegrete (1), Três Passos (1), Pontão (2) e Nova Ramada (1).