No dia seguinte aos relatos das mortes de dezenas de civis que esperavam em fila por ajuda humanitária em Gaza, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) voltou a criticar o governo de Israel pelas ações militares no território palestino. O comunicado, publicado no site do ministério, utiliza expressões contundentes acerca do governo de Benjamin Netanyahu. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
"O governo Netanyahu volta a mostrar, por ações e declarações, que a ação militar em Gaza não tem qualquer limite ético ou legal", escreveu a pasta do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em nota publicada na manhã desta sexta-feira (1º).
Na quinta-feira (29), o grupo terrorista Hamas relatou que mais de 110 civis palestinos foram mortos por tiros das tropas israelenses enquanto esperavam por ajuda humanitária ao lado de caminhões.
Tel Aviv justificou que os disparos de seus militares, em situação de pressão, resultaram na morte de aproximadamente 10 civis, atribuindo a maioria das mortes e ferimentos à aglomeração e aos saques aos caminhões, os quais teriam causado atropelamentos e pisoteamentos.
O Ministério das Relações Exteriores, liderado por Mauro Vieira, afirmou que "as multidões reunidas em torno dos caminhões que levavam ajuda humanitária evidenciam a situação desesperadora enfrentada pela população civil da Faixa de Gaza e as dificuldades para acessar alimentos no território".
Um relatório da Global Nutrition Cluster, vinculada à ONU, destaca a prevalência significativa da fome na região adjacente a Israel. O documento indica que mais de 90% das crianças entre seis meses e dois anos de idade, assim como das mulheres grávidas, enfrentam o que é descrito como "pobreza alimentar extrema", consumindo apenas dois grupos alimentares por dia, ou até menos. Doenças infecciosas também afetam 90% das crianças menores de cinco anos, e 70% delas tiveram diarreia nas últimas duas semanas.
"A inação da comunidade internacional diante dessa tragédia humanitária continua a servir como velado incentivo para que o governo Netanyahu continue a atingir civis inocentes e a ignorar regras básicas do direito humanitário internacional. Declarações cínicas e ofensivas às vítimas do incidente, feitas horas depois por alta autoridade do governo Netanyahu, devem ser a gota d’água para qualquer um que realmente acredite no valor da vida humana", disse o Itamaraty, um histórico defensor da solução de dois Estados, com a criação de um Estado palestino independente que conviva com Israel.
O comunicado caracteriza as atividades em curso há quase cinco meses em Gaza como um massacre e reintroduz o termo genocídio, utilizado por Lula para descrever as operações militares de Tel Aviv, enfatizando a necessidade de Israel adotar medidas para evitar um crime dessa natureza.
Confira a nota do Itamaraty na íntegra:
"O Governo brasileiro tomou conhecimento, com profunda consternação, dos disparos por arma de fogo, por forças israelenses, ocorrido no dia de ontem, no Norte da Faixa de Gaza, em local em que palestinos aguardavam o recebimento de ajuda humanitária. Na ocasião, mais de 100 pessoas foram mortas e mais de 750 feridas por tiros, pisoteio ou atropelamento.
As aglomerações em torno dos caminhões que transportavam a ajuda humanitária demonstram a situação desesperadora a que está submetida a população civil da Faixa de Gaza e as dificuldades para obtenção de alimentos no território.
Trata-se de uma situação intolerável, que vai muito além da necessária apuração de responsabilidades pelos mortos e feridos de ontem.
Autoridades da ONU e especialistas em ajuda humanitária e assistência de saúde de diferentes organismos e entidades vêm denunciando há meses a sistemática retenção de caminhões nas fronteiras com Gaza e a situação crescente de fome, sede e desespero da população civil. Ainda assim, a inação da comunidade internacional diante dessa tragédia humanitária continua a servir como velado incentivo para que o governo Netanyahu continue a atingir civis inocentes e a ignorar regras básicas do direito humanitário internacional. Declarações cínicas e ofensivas às vítimas do incidente, feitas horas depois por alta autoridade do governo Netanyahu, devem ser a gota d’água para qualquer um que realmente acredite no valor da vida humana.
O governo Netanyahu volta a mostrar, por ações e declarações, que a ação militar em Gaza não tem qualquer limite ético ou legal. E cabe à comunidade internacional dar um basta para, somente assim, evitar novas atrocidades. A cada dia de hesitação, mais inocentes morrerão.
A humanidade está falhando com os civis de Gaza. E é hora de evitar novos massacres.
Ao expressar sua solidariedade ao povo palestino, sobretudo aos familiares das vítimas, o Brasil reafirma seu firme repúdio a toda e qualquer ação militar contra alvos civis, sobretudo aqueles ligados à prestação de ajuda humanitária e de assistência médica.
O massacre de hoje vem se somar às mais de 30 mil mortes de civis palestinos, das quais mais de 12 mil são crianças, registradas desde o início do conflito, além dos mais de 1,7 milhão de palestinos vítimas de deslocamento forçado. O Brasil reitera a absoluta urgência de um cessar-fogo e do efetivo ingresso em Gaza de ajuda humanitária em quantidades adequadas, bem como a libertação de todos os reféns.
O Governo brasileiro recorda a obrigatoriedade da implementação das medidas cautelares emitidas pela Corte Internacional de Justiça, em 26 de janeiro corrente, que demandam que Israel tome todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de todos os atos considerados como genocídio, de acordo com o Artigo II da Convenção para a Prevenção e a Repressão e Punição do Crime de Genocídio."