A votação para ampliar a regra do foro privilegiado de autoridades no Supremo Tribunal Federal (STF) está suspensa após o pedido de vista do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, na tarde desta sexta-feira (29). A votação havia sido iniciada horas antes, quando o ministro Gilmar Mendes, relator da análise, votou para ampliar a regra do foro privilegiado de autoridades no STF. O ministro Cristiano Zanin também foi favorável, declarando acompanhar "integralmente" o voto de Mendes.
Com o pedido de vista de Barroso, a Corte tem mais 90 dias para analisar a questão, e não mais até 8 de abril, como estipulava o prazo anterior. O caso é julgado no plenário virtual, em que os ministros votam sem deliberação presencial.
Pelo voto de Mendes, devem ser competência do Supremo também os casos de crimes comuns cometidos antes do mandato e sem relação com o mesmo, e que o foro especial por prerrogativa de função deve ser mantido mesmo após o fim do exercício das funções públicas.
"A subsistência do foro especial, após a cessação das funções, também se justifica pelo enfoque da preservação da capacidade de decisão do titular das funções públicas. Se o propósito da prerrogativa é garantir a tranquilidade necessária para que o agente possa agir com brio e destemor, e tomar decisões, por vezes, impopulares, não convém que, ao se desligar do cargo, as ações penais contra ele passem a tramitar no órgão singular da Justiça local, e não mais no colegiado que, segundo o legislador, reúne mais condições de resistir a pressões indevidas", argumentou.
Em seu voto, Zanin justificou o apoio na íntegra ao voto do relator: "Porque entendo que a referida proposta contribui, a um só tempo, para garantir uniformidade, eficiência e segurança jurídica aos provimentos jurisdicionais, evitando oscilações incessantes de competência e declínios indefinidos de processos, circunstâncias aptas a ocasionar procrastinações e ocorrências prescricionais."
O Supremo voltou a se debruçar sobre o tema a partir de um recurso encaminhado ao plenário por Gilmar Mendes, decano da Corte no último dia 13 de março. O ministro argumentou que é preciso "recalibrar os contornos" do foro privilegiado.
"No caso dos autos, a tese trazida a debate não apenas é relevante como também pode reconfigurar o alcance de um instituto que é essencial para assegurar o livre exercício de cargos públicos e mandatos eletivos, garantindo autonomia aos seus titulares. É caso, portanto, de julgamento pelo Plenário, até mesmo para estabilizar a interpretação da Constituição sobre a matéria", escreveu Gilmar no último dia 13, ao pedir que o processo fosse incluído na pauta.
Gilmar Mendes é o relator de um pedido de habeas corpus do senador Zequinha Marinho (PL-PA), que quer levar ao STF a competência sobre uma denúncia contra ele, apresentada à Justiça Federal.
O crime começou a ser investigado ainda em 2013, quando Marinho era deputado federal. Ele, depois, foi eleito vice-governador do Pará e, em seguida, senador, cargo que ocupa atualmente. Ao longo desse período, o processo foi alternado de competência, conforme o cargo ocupado. O parlamentar defende que o caso permaneça no Supremo, uma vez que recuperou o foro privilegiado ao ter se elegido para o Congresso novamente.
"O entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça", observou o ministro em seu voto.
O julgamento vai ser realizado em meio ao debate sobre a competência do Supremo para analisar o caso do deputado Chiquinho Brazão (sem partido), preso no último domingo sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Brazão ocupava o cargo de vereador na época do crime.
Julgamento em 2018
Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) bateu o martelo: estava na hora de restringir o alcance do foro privilegiado. Desde então, inquéritos e processos criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.
Mesmo com a mudança, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele - de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente. Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.
Quase seis anos após limitar o mecanismo, o STF reabre o debate, agora em nova composição. Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que participaram do julgamento em 2018, deixaram a Corte no ínterim.