A lei que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, foi sancionada em 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), após aprovação do Congresso Nacional, e não pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como leva a crer uma postagem viral no TikTok. Além disso, o conteúdo utiliza trecho de um vídeo de Lula falando sobre o Programa Desenrola Brasil, e não sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, parte da legislação que regula os sistemas de energia elétrica no Brasil.
Conteúdo investigado
Um vídeo no TikTok associa a regra que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para isso, o autor do conteúdo uniu dois vídeos diferentes, um do presidente falando que “agora em setembro vai entrar o grosso” e outro de uma reportagem sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, que é parte da regulação do sistema de energia elétrica no Brasil e ficou conhecido como Geração Distribuída.
Onde foi publicado
Foi publicado no TikTok.
Conclusão do Comprova
É falso que a regra que reajusta a conta de luz dos usuários de energia solar, conhecida como “taxação do sol”, tenha sido aprovada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O Projeto de Lei que institui o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, a chamada Geração Distribuída, foi aprovado em 2021 no Congresso Nacional e sancionado em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A lei está em vigor desde janeiro de 2023, mas quem instalou o sistema até o último 7 de julho tem direito a um período maior de transição da cobrança da taxa.
O conteúdo nas redes sociais utiliza trecho de uma reportagem veiculada pelo SBT News em 22 de julho deste ano sobre a taxação junto a um vídeo em que Lula aparece falando “e agora em setembro vai entrar o grosso” com o intuito de associar o assunto ao atual governo. Entretanto, no recorte, o presidente falava sobre o Programa Desenrola Brasil em uma live que foi ao ar em 25 de julho, e não sobre energia solar. O presidente explicava, na ocasião, que em setembro o programa iria abordar a maior faixa de pessoas inadimplentes.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo com informações falsas sobre a relação do presidente Lula à “taxa do sol” soma 864,5 mil visualizações, 95,7 mil curtidas e 1.925 comentários no Tik Tok até o dia 14 de agosto.
Como verificamos
Utilizando o Google, primeiro buscamos as origens dos dois vídeos usados na montagem, identificando quando e onde foram gravados. Em seguida, também pela plataforma de busca, consultamos notícias e informações do governo e do Congresso Nacional sobre o marco legal da Micro e Minigeração Distribuída. Por fim, procuramos o autor da postagem.
“Taxação do sol” foi aprovada no governo Bolsonaro, não de Lula
O marco legal da Micro e Minigeração Distribuída, a chamada Geração Distribuída, também conhecida como “taxação do sol”, entrou em vigência em 7 de janeiro de 2023. Contudo, o Projeto de Lei que o institui (5.829/2019) foi aprovado em 2021 no Senado e na Câmara dos Deputados, sendo sancionado em janeiro de 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com veto a dois dispositivos. Os vetos foram derrubados em 14 de julho do mesmo ano pelo Congresso Nacional e promulgados por Bolsonaro no mês seguinte.
A legislação aprovada permite ao consumidor produzir a própria energia a partir de fontes renováveis, dentre elas, a solar fotovoltaica. Ela ficou conhecida como “taxação do sol” porque estabelece, também, que os produtores de energia por meio de painéis solares conectados à rede de distribuição sejam cobrados pelo custo dessa distribuição à rede elétrica — conhecido como Fio B. Na prática, é a cobrança do serviço de transmissão de energia até as residências.
Conforme explica o E-investidor, do jornal O Estado de S.Paulo, mesmo em vigor desde janeiro, quem instalou o sistema até 7 de julho de 2023 tem direito a um período maior de transição da cobrança da taxa. Para esses casos, a regra define uma progressão da aplicação das cobranças para o uso da rede até 2030. Já para quem instalou o sistema após essa data, o período de transição se encerra em 2028 com a aplicação do encargo no ano seguinte.
Com relação ao atual governo e energia solar, em março de 2023 o executivo federal editou o decreto Nº 11.456 alterando o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), instituído em 2007, para incluir peças e equipamentos usados na fabricação de painéis solares, buscando barateá-los. Além disso, em julho, Lula vetou um trecho da lei que obrigava as distribuidoras a comprar a sobra de energia produzida pelas residências populares do Minha Casa Minha Vida.
Como funciona a taxa
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mantém uma página com informações gerais sobre a micro e minigeração distribuída e outra com respostas para as perguntas mais frequentes relacionadas ao assunto.
De acordo com o órgão, a minigeração distribuída é aquela com potência acima de 75 KW e menor ou igual a 3 MW — podendo ser de até 5 MW em situações específicas. Já a central geradora com potência instalada de até 75 KW é classificada como microgeração distribuída.
Ambas as modalidades são conectadas à rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras e, desta forma, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) permite que a sobra de energia gerada por um sistema de dia seja injetada para a rede e devolvida à noite para a unidade consumidora, suprindo necessidades adicionais.
— A rede funciona como uma bateria, armazenando o excedente até o momento em que a unidade consumidora necessite de energia proveniente da distribuidora — explica o governo.
A Resolução Normativa ANEEL n° 1.000/2021 possibilita que, nesse sistema, um consumidor que instalar pequenos geradores em sua unidade consumidora utilize a energia gerada para abater o consumo de energia elétrica da unidade. Quando a geração for maior que o consumo, o saldo positivo de energia poderá ser utilizado para abater o consumo em até 60 meses subsequentes, em formato de créditos. Há ainda a possibilidade de o consumidor utilizar a geração excedente em outras unidades previamente cadastradas dentro da mesma área de concessão e caracterizada como autoconsumo remoto ou geração compartilhada. É por este uso da rede que se paga a tarifa.
As unidades consumidoras que instalarem uma usina de microgeração ou minigeração podem ser classificadas em três modalidades de tarifa:
- GD I: são todas as unidades consumidoras cuja usina já estava conectada antes de 7 de janeiro de 2022 ou que protocolaram solicitação de conexão até 7 de janeiro de 2023 e se conectaram no prazo estabelecido. Elas estão isentas dos custos de uso da rede até 2045.
- G II: unidades que solicitaram conexão após o prazo e na quais incide sobre a energia compensada uma porcentagem da tarifa de uso do sistema de distribuição que vai aumentando entre os anos 2023 e 2029.
- GD III: unidades que solicitaram conexão após o prazo e na quais há a incidência de alguns componentes da tarifa de uso e de outros encargos. São classificadas como GD III as unidades que possuem potência instalada de geração acima de 500 kW e que sejam enquadradas em autoconsumo remoto ou geração compartilhada em que haja um ou mais beneficiados com percentual igual ou maior a 25% de participação no excedente de energia.
Como explica o E-investidor, para quem instalou o sistema no imóvel após a vigência da lei, a cobrança se inicia neste ano com 15% em cima do custo referente ao serviço do Fio B e deve aumentar gradativamente até 2029, quando o consumidor pagará 100% do valor. Já o consumidor que instalou a placa solar até 6 de janeiro tem direito à isenção até 2045, recebendo, assim um desconto maior na conta de energia.
Vídeo de Lula e reportagem não são sobre o mesmo assunto
O conteúdo desinformativo utiliza a chamada de uma reportagem veiculada pelo SBT News em 22 de julho deste ano, disponível na conta do jornal no YouTube. A matéria não afirma que a lei foi aprovada no atual governo.
Já o vídeo em que Lula aparece falando “e agora em setembro vai entrar o grosso” foi recortado da live “Conversa com o Presidente”, de 25 de julho, quando ele concedeu entrevista ao jornalista Marcos Uchôa. A transcrição está disponível no site do Governo Federal.
Lula falava sobre o Programa Desenrola Brasil, no qual débitos bancários dos brasileiros são negociados em condições especiais. A fala completa do presidente é: “Então, as pessoas estavam endividadas e nós resolvemos tomar a decisão de ajudar. Ou seja, nós estamos atendendo primeiro aquelas pessoas que devem até R$ 100, que quase todas vão ser zeradas, vão ficar livres. Depois, nós começamos com a turma que ganha até R$ 20 mil, sabe, que tem dívida em banco, os bancos estão chamando e me parece que é um sucesso extraordinário, tem gente reduzindo em 90% a sua dívida. E agora, em setembro, vai entrar o grosso, que são pessoas até R$ 5 mil, R$ 2 mil, R$ 1,5 mil, R$ 3 mil, pessoas que estão devendo no varejo”. No canal do governo no Youtube, a fala pode ser observada em vídeo a partir de cinco minutos e 52 segundos.
O que diz o responsável pela publicação
O Comprova entrou em contato com a página Mr. Meme br, mas não recebeu respostas até a publicação desta verificação. O conteúdo será atualizado, caso haja um posicionamento.
O que podemos aprender com esta verificação
A reprodução do vídeo com cortes de uma reportagem do SBT e uma entrevista do presidente Lula descontextualizadas foi utilizada com o objetivo de induzir internautas à desinformação por meio das redes sociais. A prática é comum em páginas criadas com o objetivo de descontextualizar declarações e informações sobre temas importantes.
Por isso, ao assistir a um vídeo ou ler uma publicação nas redes sociais que não sejam compartilhadas por canais oficiais, é importante pesquisar sobre o assunto e conferir se as informações são verídicas.
Por que investigamos
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento.
Outras checagens sobre o tema: A “taxação do sol” foi tema de checagem do Aos Fatos, em janeiro de 2023. A verificação considerou o conteúdo falso. A agência Reuters também investigou o conteúdo, reforçando que a taxação da energia solar foi sancionada por Jair Bolsonaro e não no atual governo, de Lula. O Comprova já checou outros assuntos de um governo atribuídos ao outro, como, por exemplo, que vídeo usou reportagem sobre apreensões de carros na gestão de Bolsonaro para criticar a de Lula.