Duas décadas após as edições catárticas do evento que transformou Porto Alegre na capital internacional das vanguardas de esquerda, no início dos anos 2000, o Fórum Social Mundial retorna à Capital sem o charme e a efusão popular de antigamente. Agora com a maioria das atividades concentradas em pequenas salas da Assembleia Legislativa, o Fórum atraiu poucas pessoas e teve várias atividades canceladas nesta segunda-feira (23). A mobilização deve ser maior a partir desta terça-feira (24), com a presença da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, e a vinda de ministros do governo Lula.
Das mais de 2 mil pessoas que confirmaram presença se inscrevendo pelo site do evento, pouco mais de 10% compareceram no primeiro dia de palestras e seminários. Segundo os voluntários que estavam trabalhando no credenciamento, entre 200 e 300 ativistas passaram por ali durante todo o dia. Não faltaram militantes com o vestuário adornado por bandeiras de Cuba e slogans combativos, mas em compensação ao menos quatro seminários foram cancelados por ausência dos conferencistas.
Professor universitário, José Carlos Queiroz não escondia a frustração. Ele havia participado do Fórum Social Mundial em 2003 e, 20 anos depois, aproveitou as férias para viajar de Salvador (BA) a Porto Alegre e voltar a se envolver em debates progressistas sobre educação, meio ambiente e relações sociais. Todavia, pela manhã e novamente à tarde ficou esperando em vão pelos palestrantes que iriam discutir a indústria sustentável e o fornecimento de água para comunidades vulneráveis.
— São discussões capazes de transformar a sociedade. Mas ninguém apareceu, nem mesmo para dizer que foi cancelado. Alguma coisa na organização falhou — lamentava.
Se em algumas salas faltavam conferencistas, em outras o público era escasso. A exibição de depoimentos sobre a manutenção de terreiros de umbanda na Capital atraiu somente um assessor parlamentar. As exceções no primeiro dia do Fórum Social Mundial foram os debates sobre a moradores em situação de rua e os impactos do garimpo sobre a população indígena da Amazônia.
Conduzido pela vereadora Daiana Santos (PC do B), a conversa sobre população de rua lotou uma das salas do terceiro andar da Assembleia. Ali em frente, o debate em torno da degradação sanitária das tribos amazônicas em função do garimpo ilegal mobilizou ao menos 10 conferencistas. Com sessões pela manhã e pela tarde, especialistas em saúde pública, indigenistas e servidores do Ministério da Saúde discutiram ações para socorrer a reserva indígena yanomani, em Roraima, onde 570 indígenas morreram de desnutrição nos últimos anos.
— Eu só vi imagens como aquelas no holocausto. São etnias inteiras sendo dizimadas — denunciou o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz, Hermano Albuquerque de Castro.
Com parte dos debates esvaziados, o local de maior público foi o Teatro Dante Barone. Durante todo o dia, o local sediou as apresentações culturais evento, com destaque para artistas participantes do Fórum Social Mundial da Pessoa Idosa. Ainda assim, a plateia esteve longe de lotar as 557 poltronas.
Segundo a Comissão Facilitadora do Fórum, a maioria dos seminários são geridos pelas próprias entidades que promovem os debates e mesas-redondas. A autonomia impede que a organização do evento tenha controle sobre o comparecimento de conferencistas ou mesmo a realização de cada atividade.
— A gente lamenta, também fica chateado, mas não recebemos nem os nomes de quem vai falar. São atividades autogestionadas. Nós só viabilizamos as condições de local e a infraestrutura. Mas recém foi o primeiro dia. As grandes mesas começam terça-feira e vão movimentar bastante a Assembleia — afirma Ricardo Haesbaert, membro da Comissão Facilitadora.
Nesta terça-feira (24), uma das principais atrações será a presença da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que participa de um painel sobre O Brasil que Queremos Construir. Na quinta-feira, são esperadas as ministras da Saúde, Nísia Trindade, e do Meio Ambiente, Marina Silva. No mesmo dia, ocorre uma marcha pelas principais avenidas do Centro Histórico, um das ações mais tradicionais e marcantes do Fórum.
Segundo Haesbart, o objetivo da edição deste ano é discutir questões como feminismo, racismo, defesa dos povos originários e da democracia. Apesar de ostentar o mesmo nome do evento global de contraposição ao Fórum Econômico de Davos, a edição de 2023 é um evento regional, realizado sobre chancela do conselho internacional que rege o Fórum Social Mundial.
— Estamos reforçando a luta contra o fascismo, em crescimento no mundo todo, defendendo a democracia, sempre sob a insígnia de que um outro mundo é possível. Mas não é uma edição internacional do Fórum Social Mundial como tivemos lá no início dos anos 200o e que trouxe mais de 100 mil pessoas a Porto Alegre. É um evento menor e que busca nos credenciar para trazer de volta o Fórum internacional para Porto Alegre em 2024 — explica Haesbart.
É um sentimento semelhante que move a arquiteta paulistana Sílvia Mariutti. Caminhando pela Assembleia, recolhendo panfletos sobre cada atividade e conversando com ativistas dos mais diversos cantos do país, a especialista em habitação social espera ver de novo o espírito transformador que presenciou em Porto Alegre nas edições de 2003 e 2005.
— O Fórum é uma maneira de reunirmos as pessoas que percebem como um outro mundo não só é possível como é necessário. Aqui a gente encontra gente do mundo inteiro, que tem desafios parecidos e consegue trocar experiências capazes de fazer as pessoas viverem da melhor maneira possível. Eu amo o Fórum — encanta-se Sílvia.