O Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou a retirada do ar de reportagens do portal UOL que tratavam sobre a compra de 51 imóveis com dinheiro em espécie por membros da família do presidente Jair Bolsonaro (PL). A decisão liminar do desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti atende a um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Segundo o portal G1, o magistrado entendeu que as reportagens se basearam em uma investigação anulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apesar de classificar a decisão como "censura", o UOL afirmou que já tirou do ar as matérias — escritas pelos jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy — e informou que vai recorrer.
Na decisão, o desembargador afirmou que, mesmo que os jornalistas e o portal "tenham dito que se ampararam em pesquisa a documentos fidedignos (escrituras públicas de compra e venda de imóveis), para averiguar quais e quantas propriedades foram adquiridas, com dinheiro em espécie, pela família B., desde os anos 1990, atrelou-se a esses fatos a conclusão ou, ao menos, a suposição, de que o capital utilizado para a compra dos imóveis seria proveniente de prática ilícita, consistente nas denominadas 'rachadinhas'".
O magistrado disse ainda que "alguns dos negócios entabulados" foram citados na investigação que apurava um suposto esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro. A investigação foi anulada pelo STJ em novembro do ano passado, porque os ministros da Quinta Turma entenderam que a condução da apuração foi feita por um juiz sem competência para o caso.
As reportagens
Pulicadas em agosto, as matérias afirmaram que quase metade dos imóveis do clã Bolsonaro foi adquirida com dinheiro em espécie nas últimas três décadas. De acordo com levantamento do UOL, irmãos e filhos do presidente negociaram 107 imóveis desde 1990.
A reportagem indica que desde que Jair Bolsonaro chegou à política, na década de 1990, o patrimônio se multiplicou em seus diferentes núcleos familiares. Até 1999, a família adquiriu 12 imóveis. Entre vendas e novas aquisições, neste ano, o clã segue proprietário de 56 dos 107 imóveis transacionados nas últimas décadas.
Ao menos 51 dos imóveis foram comprados total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo. As compras "em moeda corrente nacional" somam R$ 13,5 milhões, segundo o portal de notícias.
Ao ser questionado sobre o tema, durante sabatina promovida pela União Nacional de Entidades do Comércio e dos Serviços, o chefe do Executivo afirmou:
— Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel? Não sei o que está escrito na matéria. Qual o problema? Investiga, meu Deus do céu, investiga. (...) Eu tenho cinco irmãos no Vale do Ribeira. O que que eu tenho a ver com o negócio deles?
O que diz o UOL
"A decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos", diz a advogada Mônica Filgueiras Galvão.
ANJ diz que decisão está em desacordo com o que determina a Constituição
"A Associação Nacional de Jornais (ANJ) protesta contra mais um ato de censura à imprensa emanado pela Justiça, em total desacordo com o que determina a Constituição e privando os cidadãos do direito de serem livremente informados. A decisão liminar do desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, que determinou que o UOL retire do ar duas matérias e postagens em suas redes sociais com menção a reportagens sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos, contraria frontalmente a Constituição Federal, que não admite censura, e é mais um ato contra a liberdade de imprensa no Brasil. A ANJ espera que a decisão seja revista o quando antes, de modo que a população tenha restabelecido o seu direito de acesso à informação.
Brasília, 23 de setembro de 2022.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS – ANJ"