A Operação SOS, da Polícia Federal do Pará, conseguiu prender pessoas ligadas a maior organização criminosa do país que atuava na área da saúde. Somente no Estado, os criminosos desviaram R$ 455 milhões em contratos públicos para a gestão de hospitais da campanha em meio à pandemia de covid-19. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Um dos envolvidos é o piloto Hugo Trindade. Ele se preparava para decolar de Belém rumo a São Paulo com uma grande quantidade de dinheiro e com dois passageiros a bordo, o médico Cleudson Montali e o empresário Nicolas Morais — ambos apontados como os chefes da organização criminosa especializada em desvios milionários na área da saúde. Na tarde de 29 de junho de 2020, antes de embarcar, o piloto enviou uma foto de uma bolsa recheada de notas de R$ 50 e R$ 100 para sua mulher. "Pagava nossas contas, amor! R$ 1 milhão. E no bagageiro da frente tem mais R$ 6 milhões", dizia a mensagem.
Montali e Morais já eram alvos da Operação SOS, da PF do Pará. As autoridades também chegaram a cumprir buscas em endereços do governador Helder Barbalho (MDB), e a prender três secretários do governo. No mesmo dia, as autoridades de São Paulo realizaram buscas na Operação Raio X. A Justiça condenou Montali a 20 anos de prisão por desvios e corrupção.
O médico e seus colegas conseguiram contratos de R$ 1,2 bilhão para gerir cinco hospitais apenas entre 2019 e 2020. Montali chegou a subcontratar mais de 200 empresas de médicos que estavam ligadas a seus negócios. As instituições eram usadas para esconder os desvios. Em grande parte, o dinheiro foi usado na compra de fazendas e gado em nome de um "laranja" escolhido pelo médico, que também era o homem por trás de organizações sociais contratadas para gerir os hospitais.
Morais era conhecido na quadrilha como "Gordinho Bandido". Na organização seu papel era como lobista. Sua missão era garantir novos contratos por meio da aproximação com políticos. Entre eles estava o então secretário de Transportes, Antonio de Pádua de Deus de Andrade, que acabou preso.
O ex-secretário foi apontado como beneficiário de R$ 331 mil de repasses de Morais. Ele mantinha uma relação com o operador, que se desgastou em razão do desejo do secretário de obter carros de luxo e ostentar o dinheiro desviado. "SW4 e a BMW. Importante nesse momento. Os dois. Blindado", diz trecho de mensagens enviadas do secretário para Morais, em agosto de 2020.
Em outro diálogo interceptado pela PF, o empresário responde Andrade. "Estou na procura amigo... da X6, tá? Faz dias, essa semana toda, o cara está atrás e a outra está vindo".
Devido à demora da chegada dos automóveis, o ex-secretário continuou cobrando, o que fez com que as autoridades acumulassem mais provas. "Quando a X6 chega ? Está muito difícil assim", disse.
Empresa de cestas básicas
O grupo de Cleudson Montali é investigado também em razão da empresa Kaizen, que fechou um contrato de R$ 73 milhões para a distribuição de cestas básicas na pandemia.
Em mensagens interceptadas pelas autoridades, Régis Pauletti, apontado como o operador financeiro de Montali deu alguns detalhes sobre o esquema criminoso em um diálogo com outro integrante da organização. "O cara que trouxe nós pra cá, que é ligado ao governo aí, pegou um sócio pra fornecer R$ 1,5 milhão de cesta básica, aqui pro Estado do Pará", contou.
Ao saber dos valores do contrato, o outro envolvido no esquema mandou mensagem para um companheiro da organização. "Nossa Senhora, Ricardo, tem muita gente que vai ficar rico com isso né?".
De acordo com um diálogo interceptado, até na aquisição das cestas havia uma comissão planejada. Com o telefone grampeado, Pauletti contou ter dito a Montali que a empresa não passava de fachada. Além disso, a partir da ajuda de Morais, o grupo teve de promover um evento de entrega de cestas básicas com a presença do governador, que contou também com funcionários dos hospitais geridos pelo empresário.
"Fomos à noite lá, pegamos os peões do hospital. Hoje o governador foi lá fazer uma filmagem, fazer entrevista tudo, pra televisão. Aí eu tive que organizar. E hoje liguei pro Glauco. Vê se tem alguma firma que faz isso e que entrega aqui pra nós, pra você ganhar dinheiro", dizia outra mensagem enviada por Pauletti.
O operador financeiro foi flagrado confessando que a quadrilha comprava kits de exame contra a covid-19 por US$ 8 (aproximadamente R$ 42) e repassava ao Pará por US$ 40 (cerca de R$ 205). No começo da pandemia, ele contou em um telefonema que desviou três respiradores artificiais para atender a ele e aos familiares da organização criminosa, enquanto o equipamento faltava em hospitais gerenciados pela quadrilha. "Por que se der o surto, bicho, nós temos respirador. Você monta em casa mesmo" dizia mensagem.
O jornal O Estado de S. Paulo procurou os advogados responsáveis pelas defesas de Andrade, Montalli, Morais e Pauletti, mas não os encontrou. O governo do Pará informou que encerrou o contrato com as organizações sociais dirigidas pelos citados.