Com discursos inflamados, os deputados estaduais de esquerda, direita e centro se uniram, na tarde desta terça-feira (16), para suspender o pagamento de auxílio-saúde para integrantes do Tribunal de Justiça (TJ), do Ministério Público (MP) e da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. Os quatro projetos para barrar o pagamento extra foram aprovados por unanimidade e entram em vigor nos próximos dias, assim que forem promulgados.
O pagamento do auxílio-saúde no Tribunal de Justiça foi autorizado em março deste ano e abriu caminho para que MP e Defensoria fizessem o mesmo. O auxílio prevê o reembolso em dinheiro para os funcionários desses órgãos que optarem por contratar um plano de saúde privado. “Privilégio” foi o termo mais comum usado pelos deputados para classificar esse sistema criado pelos órgãos.
— Se isso não é um privilégio, eu não entendo o que se chama privilégio. Como alguns buscam esse direito com dinheiro público? Este valor (do auxílio-saúde) é pouco, é insignificante? É pouco mesmo, porque eu faço a comparação com o salário do professor —disse a deputada Zilá Breitenbach (PSDB).
A vontade de barrar o auxílio-saúde teve duas frentes na Assembleia Legislativa: de um lado a bancada do PT, de outro lado um grupo de deputados liderado pelo parlamentar Fabio Ostermann (Novo). Com mesmo conteúdo, os projetos tramitam conjuntamente, com apoio pluripartidário.
— Não é possível a criação de um auxílio-saúde que, na prática, significará que os integrantes desses órgãos poderão contratar planos de saúde e depois buscar o ressarcimento com dinheiro público — afirmou Pepe Vargas, líder da bancada do PT.
O deputado Marcus Vinícius (PP) acrescentou que o auxílio-saúde, além de ser um privilégio, pode levar a uma debandada de beneficiários do IPE-Saúde e colocar em risco a sobrevivência do sistema que atende os servidores estaduais.
O Judiciário, o MP e os demais órgãos têm a sua disposição algo que a maioria dos gaúchos não tem: um plano de saúde, o IPE-Saúde.
MARCUS VINÍCIUS (PP)
Deputado estadual
— O Judiciário, o MP e os demais órgãos têm a sua disposição algo que a maioria dos gaúchos não tem: um plano de saúde, o IPE-Saúde. A concessão do auxílio-saúde não só será fatal a manutenção ao futuro do IPE saúde, como coloca em cheque o SUS. Quando um organismo que é poderoso constitui um auxílio para si próprio está questionando a eficácia do sistema de saúde — disse Vinícius.
O auxílio-saúde foi criado no Rio Grande do Sul com base em uma resolução emitida em 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo já afirmou o presidente do Conselho de Comunicação do TJ, Antonio Vinicius Amaro da Silveira, a Corte gaúcha tinha o dever de regulamentar o benefício e não poderia descumprir a decisão do CNJ.
A perspectiva é de que, promulgados os projetos que suspendem o pagamento extra, o assunto pare na Justiça.
— Não existe tese jurídica que o sustente. Não existe contorcionismo moral que o justifique. Por qual motivo, em pleno século 21, foi recriada uma casta de nobres e a lei não vale para eles, pois eles mesmos podem se conceder privilégios? — criticou o deputado Giuseppe Riesgo (Novo).
O pagamento do auxílio-saúde beneficiava servidores e magistrados no Judiciário; servidores, promotores e procuradores do MP; e defensores públicos estaduais. Os integrantes desses órgãos já têm direito a se associarem ao IPE, plano de saúde gerido pelo governo do Estado.
Pela regulamentação feita pelo TJ, o pagamento extra podia chegar a 7% do total do subsídio dos juízes e desembargadores, da ativa e aposentados. Assim, um magistrado que receba subsídio de R$ 30.471,11, por exemplo, poderá ter reembolso mensal de até R$ 2.132.
Entidades pedem inconstitucionalidade de votação
As associações dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), do Ministério Público do RS e dos Defensores Públicos do RS entregaram ao procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, representação requerendo que o MP proponha ação de inconstitucionalidade em relação à decisão da Assembleia Legislativa que aprovou a suspensão do pagamento do auxílio-saúde.
"Na representação, as entidades apresentam um histórico das razões que levaram à criação do auxílio-saúde para cada uma das categorias e destacam que não cabe ao Poder Legislativo editar decreto sustando atos normativos", diz nota enviada pela Ajuris.
Leia a nota na íntegra
A AJURIS, em conjunto com as associações do Ministério Público do RS e dos Defensores Públicos do RS, entregou ao procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, representação requerendo que o Ministério Público (MP) proponha ação de inconstitucionalidade em relação à decisão da Assembleia Legislativa que aprovou a suspensão do pagamento do auxílio-saúde para os magistrados e servidores do Poder Legislativo e integrantes do MP e da Defensoria Pública do Estado. A votação ocorreu na tarde desta terça-feira (16/11).
Na representação, as entidades apresentam um histórico das razões que levaram à criação do auxílio-saúde para cada uma das categorias e destacam que não cabe ao Poder Legislativo editar decreto sustando atos normativos do Tribunal de Justiça (no caso do benefício para os integrantes do Poder Judiciário), do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado. Essa possibilidade constitucional dos deputados está restrita a atos exorbitantes praticados pelo Poder Executivo.
O presidente da AJURIS, Orlando Faccini Neto, considerou que o decreto aprovado tem caráter político e não se sustenta juridicamente. “É inadequada a medida adotada pela Assembleia visto que sabidamente inconstitucional, tendo, porém, o efeito de expor a magistratura e as demais carreiras jurídicas perante a opinião pública, quando manifestamente evidente a ausência de atribuições da Assembleia para sustação de atos normativos do Poder Judiciário. É preciso indagar aos deputados se almejam que a magistratura do Rio Grande do Sul seja a única do país sem o auxílio-saúde, uma vez que todos os demais poderes judiciários já implantaram a gratificação amparados pelo Conselho Nacional de Justiça”, disse.
No encontro com o procurador-geral de Justiça, além do presidente da AJURIS, estiveram o presidente da Associação do Ministério Público, João Ricardo Santos Tavares, e o presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado, Mário Rheingantz. Da reunião também participaram os subprocuradores-gerais de Justiça Angela Salton Rotunno (Assuntos Jurídicos) e Júlio César de Melo (Assuntos Institucionais).