A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ouviu nesta quinta-feira (24) os depoimentos do epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal e da diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.
Primeiro epidemiologista a falar à comissão, Hallal mencionou os principais dados sobre o Epicovid-19 — estudo sobre a prevalência do coronavírus realizado no Rio Grande do Sul e no Brasil —, destacou a comparação do quadro epidemiológico brasileiro com o restante do mundo e enfatizou a importância de ouvir a ciência durante a pandemia.
Jurema discorreu a respeito de dados coletados sobre mortes ocorridas por covid-19 — o Movimento Alerta, representado por ela, é formado por entidades da sociedade civil que consolidam esse tipo de informação, como Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Oxfam Brasil, Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), Anistia Internacional Brasil e Arquidiocese de São Paulo.
Abaixo, confira os principais pontos dos depoimentos:
“Brasil poderia ter evitado até 400 mil mortes por coronavírus”, diz Hallal
Em seu depoimento, o epidemiologista Pedro Hallal afirmou que o Brasil poderia ter evitado até 400 mil mortes por coronavírus se tivesse adotado as medidas necessárias para conter o avanço da doença, conforme estudos apresentados aos senadores.
O especialista mostrou dados afirmando que quatro de cada cinco mortes pelo coronavírus Brasil estão em "excesso", ou seja, poderiam ter sido evitadas se o país seguisse as políticas adotadas na média em outros países.
Hallal citou que o Brasil tem 2,7% da população mundial, mas apresenta 12,9% das mortes por covid-19 no mundo.
— Ontem, uma de cada três pessoas que morreram por covid no mundo foi no Brasil — disse o pesquisador no início do depoimento. — Podíamos ter salvo 400 mil vidas no Brasil apenas se estivéssemos na média mundial — concluiu.
Tsunami de covid-19
Em resposta à senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que perguntou sobre as ondas de coronavírus no país, Jurema Werneck afirmou que os brasileiros estão sendo “atropelados de uma vez só”, levando “um caixote atrás do outro”.
— Não estamos em ondas, estamos sendo arrastado por um grande tsunami, uma grande tragédia que nunca acaba porque o Brasil não está tomando as medidas necessárias de controle da pandemia, de controle da transmissão, de vigilância epidemiológica e de preparo do sistema de saúde — afirmou a especialista.
Estudo mostra que mortalidade por covid-19 é maior em cidades que deram 90% dos votos ou mais a Bolsonaro
Nos depoimentos, os pesquisadores responsabilizaram o governo do presidente Jair Bolsonaro — e diretamente o chefe do Planalto — por mortes na pandemia do coronavírus. Os apontamentos devem ser usados pela CPI para embasar relatórios após o final da investigação.
Segundo dados levantados pelo epidemiologista, a mortalidade da covid-19 é maior em cidades que deram mais votos ao presidente no segundo turno das eleições de 2018, tendência que não é observada nas mortes por outras causas. Nas cidades onde Bolsonaro teve 10% dos votos válidos ou menos, a taxa de mortalidade é de 10 para cada 100 mil habitantes, conforme Hallal. O índice chega a 313 mortes por 100 mil habitantes nos municípios que deram 90% dos votos ou mais para o atual presidente, apontou o pesquisador.
Os dados foram criticados por senadores aliados do chefe do Planalto.
— Qual é a base científica para poder fazer uma afirmação dessa natureza a não ser animar uma narrativa? — questionou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
— Cada pessoa pode fazer uma interpretação desse resultado. Esse resultado não se observa por acaso porque, quando comparamos as mortalidades em geral, não existe essa tendência — respondeu o pesquisador.
Imunidade de rebanho tem "efeito perverso na sociedade", afirma Werneck
Durante seu depoimento, Jurema Weneck discorreu sobre a imunidade de rebanho, estratégia apoiada, por exemplo, pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS), que falou à CPI na última terça-feira (22). A pesquisadora afirmou que o método tem "efeito perverso na sociedade".
—Ser humano não é rebanho, estamos falando de imunidade coletiva, esse é o primeiro ponto (...). Quando pensamos no rebanho, na imunidade do rebanho, a gente deve perguntar a qualquer pecuarista ou veterinário: o que eles fazem para imunizar o que seu rebanho? Eles vacinam. Eles garantem as vacinas para salvar o seu rebanho. Ser humano não é gado, e a gente quer que todos estejam imunes", disse.
Estudo sobre covid-19 por cor da pele e etnia foi censurado no Planalto
Em seu depoimento, Hallal acusou o Palácio do Planalto de censurar a apresentação de um levantamento sobre o impacto da covid-19 por cor da pele e etnia no país, em julho do ano passado. Ele conduziu uma pesquisa bancada pelo governo federal que foi interrompida "sem justificativa técnica", de acordo com o pesquisador.
À CPI, Pedro Hallal relatou que, 15 minutos antes da apresentação que faria sobre os resultados do estudo, foi informado pela assessoria de comunicação do governo que as informações sobre a covid por da pele e etnia não poderiam ser exibidas.
— Este slide foi censurado. Faltando 15 minutos para eu começar a apresentação, fui informado pela assessoria de comunicação que o slide tinha sido retirado da apresentação da qual eu era o apresentador — disse.
De acordo com pesquisador, a decisão de não apresentar esses resultados partiu do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, que participou da coletiva.