Em depoimento à CPI da Covid o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, esquivou-se de responder qual sua posição sobre o uso da cloroquina em pacientes da covid-19, medicamento defendido pelo presidente Jair Bolsonaro mesmo sem eficácia comprovada contra a doença. A sessão, que havia começado pouco depois das 10h, foi encerrada às 20h30min — houve uma interrupção de cerca de duas horas em razão de votações no plenário do Senado.
— Essa é uma questão técnica que tem que ser enfrentada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). O ministro é a última instância na Conitec, então eu vou precisar me manifestar tecnicamente — disse Queiroga.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), e o presidente da colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), insistiram que o ministro respondesse o questionamento com "sim" ou "não", mas Queiroga seguiu dizendo que não tinha ido ao Senado para dar "opinião".
— O senhor compartilha ou não da posição presidente. A resposta é sim ou não — ressaltou Renan Calheiros.
— Até minha filha de 12 anos falaria sim ou não — afirmou Aziz.
— Não faço juízo de valor acerca da opinião do presidente. É uma questão de natureza técnica. No começo, o uso compassivo (do remédio) foi feito em diversas instituições e já existem (estudos) controlados que mostram que naqueles pacientes mais graves esse medicamento não tem efeito; no intermediário, o medicamento não tem efeito — disse Queiroga, que, no entanto, foi interrompido por Renan, segundo quem o ministro não estava respondendo à sua pergunta.
A justificativa dada por Queiroga para não expor sua posição sobre a cloroquina foi de que, como ministro da Saúde, ele terá de dar a última palavra sobre o uso do medicamento durante a elaboração do protocolo de tratamento da covid.
Questionado ainda sobre a distribuição de cloroquina ao SUS, ele ressaltou:
— Eu não autorizei a distribuição de cloroquina na minha gestão, não tenho informação se está havendo.
Queiroga iniciou seu depoimento, por volta das 10h10min, defendendo a vacinação em massa para combater a pandemia. No cargo desde 23 de março, o médico é fortemente cobrado pela lentidão da imunização no país.
— A solução para a pandemia é a campanha de vacinação — afirmou o ministro logo no início da sua participação na sessão, que começou às 10h10min.
Queiroga também exaltou as ações do chanceler Carlos França, para a compra de vacinas e insumos. França substituiu Ernesto Araújo em abril, que foi alvo de críticas por críticas à China e organizações mundiais.
Quebra de patentes
Queiroga disse ainda ser contra a quebra de patentes de vacinas. Ele foi questionado sobre o assunto pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE). Mais cedo, no Senado, Queiroga disse que o temor é que "mesmo com a quebra da patente não consiga produzir vacinas no Brasil".
Na quarta-feira (5), o assunto ganhou força no cenário mundial após o governo de Joe Biden decidir apoiar a suspensão de direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas contra covid-19. O objetivo é facilitar a transferência de tecnologia e possibilitar a produção das vacinas em nações que estão atrás na corrida pela imunização.
Dados incorretos da vacina
Durante o depoimento, Marcelo Queiroga disse ainda que a prestação de informações repassadas por um técnico da pasta ao Congresso sobre doses de vacinas contratadas foi feita de maneira "imprecisa". O dado correto, segundo ele, é que estão efetivamente contratadas 430 milhões de doses de imunizantes contra o novo coronavírus.
Reportagem do Estadão/Broadcast mostrou que, em peças de propaganda e em declarações públicas do ministro, a pasta diz já ter comprado mais de 560 milhões de doses. Ao responder a um questionamento oficial formulado pelo Congresso, porém, o ministério informou que o número realmente contratado era a metade disso: 280 milhões de doses. Mesmo assim, o número atualizado pelo ministro é menor que o anunciado.
— Na realidade, nessa informação que foi feita de maneira imprecisa para o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), não se considera as vacinas da Fiocruz, porque esse acordo é feito através de transferência de TED, então não há um contrato entre a Fiocruz e o Ministério da Saúde, e essas doses da Fiocruz não foram ali consideradas, de tal maneira que o Ministério da Saúde vai fazer uma retificação dessa informação que foi prestada de maneira imprecisa a Câmara dos Deputados — respondeu Queiroga, segundo quem as responsabilidades pela informação incorreta serão apuradas pela pasta.
Protocolos de distanciamento
Queiroga disse ainda que está trabalhando para apresentar "protocolos assistenciais" para o enfrentamento à pandemia do coronavírus, que já matou mais de 410 mil pessoas no Brasil. Queiroga citou protocolos que disciplinem sobre distanciamento social, mobilidade urbana e a adoção de uma política de publicidade mais "intensa" de comunicação com a sociedade sobre a doença.
— Estamos com equipe técnica trabalhando para termos diretrizes gerais para sociedade e secretarias estaduais e municipais — disse Queiroga.
Reunião com embaixador chinês
O ministro disse ainda que deve se reunir na sexta-feira (7) com representantes chineses, em especial o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, a fim de tratar da disponibilização de insumos farmacêuticos ao país.
O anúncio do encontro acontece um dia após o presidente Jair Bolsonaro voltar a veicular teorias conspiratórias, entre elas, a de que o coronavírus havia sido concebido em laboratório como parte de uma guerra biológica.
— Vamos continuar trabalhando para manter as boas relações que o Brasil tem com a China no que tange à questão da Saúde. Eu e o ministro das Relações Exteriores Carlos França estamos trabalhando juntos — disse.
— Estou com muitas esperanças de que consigamos ampliar ações com a China independente de quaisquer fatos — completou.
O senador Humberto Costa (PT-PE), quem perguntava ao depoente, ironizou o otimismo do ministro:
— Eu imagino que ajudou muito a fala do presidente. O senhor vai chegar amanhã na Embaixada da China e vai ser recebido de braços abertos.