BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Investigado pelo suposto cometimento de seis crimes, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou cerimônia realizada nesta segunda-feira (25) para fazer uma visita surpresa à PGR (Procuradoria-Geral da República), órgão que pode vir a denunciá-lo sob a acusação de violar a autonomia da Polícia Federal.
O chefe do Executivo participava por videoconferência da posse de Carlos Alberto Vilhena na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão quando, em um gesto interpretado como sendo de pressão, convidou a si mesmo para ir à PGR cumprimentar pessoalmente o recém-empossado no cargo.
No local, Bolsonaro esteve por cerca de dez minutos com o procurador-geral da República, Augusto Aras, que será o responsável por denunciá-lo ou, então, por pedir o arquivamento do inquérito que apura as acusações do ex-ministro Sergio Moro contra o chefe do Executivo.
No STF, ministros reprovaram a iniciativa de Bolsonaro e a compararam ao gesto do último dia 7, quando o chefe do Executivo atravessou a Praça dos Três Poderes a pé com um grupo de empresários para fazer uma visita ao Supremo.
Na avaliação de integrantes da corte, o objetivo do presidente, assim como no começo do mês, foi pressionar uma instituição que pode impor limites à atuação dele.
Magistrados alertaram, porém, que a iniciativa desta segunda-feira tem um componente adicional de pressão: no STF, os ministros têm cargo vitalício, enquanto o PGR tem mandato de dois anos e depende do presidente para ser reconduzido no posto.
Na visão de ministros, o gesto ocorre no momento mais importante para definição do futuro de Aras, seja para seguir no cargo, seja para alçar voos mais altos e ser indicado, por exemplo, a uma vaga no STF.
O entendimento é que a atuação do PGR no inquérito contra Bolsonaro será um divisor de águas na relação com o presidente. E apenas o arquivamento do inquérito deixaria Bolsonaro satisfeito com o desempenho de Aras à frente da instituição.
Aras foi indicado pelo presidente à chefia da PGR mesmo tendo ficado de fora da lista tríplice eleita pela categoria para o cargo e depois de fazer declarações públicas alinhadas a Bolsonaro.
A Constituição não obriga o presidente a respeitar a lista, mas, desde 2003, em um sinal de prestígio e independência à classe, a praxe era indicar o mais votado.
Em 2017, o então presidente Michel Temer quebrou a tradição e nomeou Raquel Dodge, a segunda mais votada.
Bolsonaro, no entanto, foi além e indicou Aras, que não esteve nem entre os três finalistas da disputa realizada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
Nesta segunda, segundo pessoas próximas ao PGR, até Aras achou que Bolsonaro estava brincando quando avisou que iria até lá.
O presidente pegou todos de surpresa e disse: "Se me permite a ousadia, se me convidar vou agora aí apertar a mão desse nosso novo integrante desse colegiado maravilhoso da Procuradoria-Geral da República", disse, na transmissão por vídeo. "Estaremos esperando vossa excelência com a alegria de sempre", respondeu Aras.
Na PGR, Bolsonaro e Aras se cumprimentaram e fizeram fotos. O evento não contou com a participação da imprensa.
Ao dar posse a Vilhena na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão para o biênio 2020-2022, o procurador-geral destacou a necessidade de harmonia entre os Poderes para que a "independência não se transforme no caos".
"República Federativa do Brasil, constituída em Estado democrático de Direito, e com isso, todos os interesses sociais que nos cabe zelar. Como entes autônomos, com independência. Mas, acima de tudo, com harmonia para que a independência não se transforme no caos", disse Aras.
"Porque é a harmonia que mantém o tecido social forte, unido em torno dos valores supremos da nação", completou o procurador-geral da República.
Carlos Alberto Vilhena assume o cargo ocupado por Deborah Duprat, defensora direitos humanos, que conduziu a PFDC por quatro anos.
Ao ocupar interinamente a PGR, em 2009, ela desengavetou ação sobre aborto de anencéfalos e também ajuizou processos polêmicos no STF sobre a Marcha da Maconha, grilagem na Amazônia e união civil entre homossexuais.
Vilhena assume o posto como indicação de Aras. Em seu discurso, Vilhena disse que não se pode admitir retrocessos e que "são inadmissíveis recuos no que concerne a direitos conquistados".
Ele disse ainda que não se pode abrir mão de "forças coletivas que impulsionam o Estado na construção de uma sociedade justa, fraterna e plural" e condenou o revisionismo histórico.
"Tampouco são aceitáveis os retrocessos no campo da interpretação da nossa história. Quando negamos o passado de uma sociedade que sempre reagiu aos excessos e aos desmandos do poder instituído, nos enfraquecemos para as lutas do porvir", afirmou o novo titular da PFDC.
O senador Humberto Costa (PT-PE) comentou o fato de o gesto de Bolsonaro ter se dado poucos dias depois de o ministro Celso de Mello, do STF, ter liberado o vídeo da reunião de 22 de abril citada por Moro em depoimento à PF.
"Evidente que ele está fazendo um jogo do morde e assopra, e ali [na PGR] está para sair a decisão do Aras. Eles venderam a versão de que ali [no vídeo] não tem nada demais, mas no fundo eles sabem que aquilo tem gravidade e seriedade."
Já o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) usou as redes sociais para fazer duras críticas a Aras.
"Além de agir como advogado de defesa, Aras ainda se atreve a receber Bolsonaro no ápice de um inquérito que o investiga. Não precisa ter bola de cristal para farejar o cheiro de pizza com sabor de impunidade", disse.
O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, por sua vez, apontou o que considera ser uma incoerência de Bolsonaro. Ele ainda comentou a nota do ministro Augusto Heleno, que criticou o despacho de Celso de Mello de pedir opinião da PGR sobre apreensão do celular do chefe do Executivo.
"Bolsonaro mostra como é duas caras de novo. Diz uma coisa e faz outra. Fala em harmonia entre os Poderes. Depois manda Heleno ameaçar o STF e sugere prisão a Celso de Mello no Twitter. Visita Aras pra pressionar e constranger a PGR. Fala em independência. Tenta tudo subordinar", disse.