Até aqui as principais peças no inquérito que apura se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir indevidamente na Polícia Federal, as falas do presidente na reunião ministerial de 22 de abril foram citadas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro como provas de que o presidente desejava obter relatórios sobre investigações.
A denúncia do ex-juiz da Lava Jato, que deixou o governo em 24 de abril, motivou a abertura da investigação que apura se Bolsonaro buscou nomear gente de sua confiança na PF para proteger a si próprio, aos filhos e a aliados de investigações.
A Advocacia-Geral da União (AGU) transcreveu dois trechos da reunião, que foram apresentados em petição ao Supremo Tribunal Federal (STF). No documento, o órgão requer que apenas parte do vídeo do encontro seja tornada pública. A defesa de Moro reivindica a divulgação da íntegra. Nesta segunda-feira (18), Celso de Mello, ministro relator do caso no STF, analisará o conteúdo do vídeo.
A primeira intervenção do presidente reproduzida pela AGU foi aproximadamente aos 30 minutos da reunião. A segunda, mais adiante, cerca de 50 minutos depois da primeira fala.
Leia abaixo as falas comentadas.
PRIMEIRO TRECHO:
“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não tem informações; a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da... da... porta ouvindo o que o seu filho ou a sua filha tá comentando? Tem que ver pra depois... depois que ela engravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adianta mais falar com ele. Já era. É informação assim. (referência a nações amigas) Então essa é a preocupação que temos que ter: a questão estratégia. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso ... todos... é uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final Não é ameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade (...)”
Em depoimento à PF, Moro disse que Bolsonaro cobrou, na reunião ministerial, a substituição do diretor-geral da PF e do superintendente da corporação no Rio, além de ter reivindicado acesso a relatórios de inteligência e informação do órgão. Na terça-feira (12), o presidente declarou que, no encontro, não falou as palavras Polícia Federal e que sua cobrança não se devia à falta de acesso a dados de inteligência ou de investigações, mas a uma insatisfação que tinha em relação à sua segurança pessoal e à de sua família.
O documento entregue pela AGU mostrou que ele citou “PF” (sigla de Polícia Federal) num contexto de insatisfação com a falta de informações de inteligência. “PF” foi relacionada entre os órgãos que, segundo a fala, seriam objeto de sua interferência.
Nesta sexta-feira (15), Bolsonaro reiterou que sua preocupação era com a segurança e afirmou que, ao falar em interferência, mirava o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), ministério comandado pelo general Augusto Heleno e que é responsável por sua proteção.
SEGUNDO TRECHO:
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira".
O inquérito no Supremo apura se, ao tentar trocar o superintendente da PF no Rio em ao menos duas ocasiões (no ano passado e neste ano), Bolsonaro buscava blindagem em investigações que podem afetá-lo ou sua família.
Neste trecho, ao falar genericamente sobre trocas, o presidente não cita o superintendente no Rio ou algum outro cargo em específico. Porém, dois dias depois da reunião, ele exonerou o então-diretor geral da PF, Maurício Valeixo, o que resultou na saída de Moro do governo. A primeira medida do novo comando da corporação foi substituir o comando da corporação no Rio.
A versão do ex-chefe da Justiça, dada em depoimento à PF, é a de que Bolsonaro avisou no encontro que iria interfer em todos os ministérios e, quanto ao "MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública)", “se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro”, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.