Demonizado nos últimos anos, quando o repúdio à “velha política” levou multidões às ruas e ajudou a eleger o presidente Jair Bolsonaro, o centrão está onde sempre esteve: negociando generosas fatias do poder. A novidade é a mudança no discurso do governo. Se antes os expoentes do Palácio do Planalto vinculavam o bloco parlamentar à corrupção, agora abrem os gabinetes e oferecem cargos e verbas em troca de sustentação no Congresso.
Casuísta, fisiológico e desprovido de ideologia, o centrão prepara seu ingresso no governo oferecendo um alicerce político robusto o suficiente para, pelo menos em tese, evitar um eventual processo de impeachment. Em troca, o grupo mira ao menos uma pasta inteira, o Ministério da Ciência e Tecnologia, além de cargos espalhados por quase todos os prédios da Esplanada.
Na mira estão ainda superintendências estaduais de autarquias, com o Ibama e o Incra, diretoria de estatais, agências de desenvolvimento e reguladoras. Em comum, o poder de influência sobre decisões importantes e o acesso a orçamentos vultuosos. No Rio Grande do Sul, o grande objeto de cobiça são os cargos no Grupo Hospitalar Conceição, atualmente na mão de indicados do deputado Osmar Terra (MDB) e do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni.
O principal ativo do centrão nessa negociação com o Planalto é o pragmatismo e o tamanho de sua bancada. Na semana passada, o líder do maior partido do bloco, Arthur Lira (PP-AL), telefonou aos 40 deputados da legenda para informar que adesão ao governo estava formalizada e que ele estava colhendo nomes para indicações a vagas na burocracia estatal.
— Quem não estiver à vontade, melhor não vir — avisou, explicitando que uma das missões é barrar um processo de impeachment.
Composto por parlamentares de ao menos oito partidos, o centrão diz ter 211 votos na Câmara. O número é a soma das bancadas de PP, PL, PSD, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB e Pros. Juntas, as legendas não conseguem aprovar uma proposta de emenda à Constituição, cuja exigência é de 308 votos favoráveis. Todavia, o quórum é suficiente para evitar não só um impeachment, mas também o prosseguimento de denúncias criminais contra o presidente.
Com Bolsonaro podendo ser atingido por três inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) — que investigam disseminação de fake news, participação em atos de apoio à intervenção militar e suposta interferência política na Polícia Federal —, esse suporte pode ser fundamental para a permanência do presidente no cargo. Foi assim no governo Michel Temer, quando por duas vezes o centrão impediu que o então presidente fosse investigado por crimes como corrupção passiva e obstrução da Justiça.
A aliança é malvista por ministros militares, mas nos bastidores muitos já estão sendo convencidos de que talvez seja necessário abrir mão de pruridos morais em troca da continuidade do governo. Em 2018, um dos mentores da campanha de Bolsonaro e hoje chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, chegou a parodiar durante um evento do PSL o refrão do clássico samba Reunião de Bacana.
— Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão — cantarolou Heleno, trocando a palavra “ladrão” da letra original pelo nome do grupo político agora aliado.
Consciente de sua fragilidade política no Congresso e da importância de conquistar pelo menos o comando de uma das duas Casas no ano que vem, com o fim do mandato de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) respectivamente na Câmara e no Senado, Bolsonaro orientou os ministros a abrir espaços em suas pastas para o centrão.
Além da enorme influência sobre os deputados, a presidência das Casas tem o poder de conduzir e ditar a pauta de votações. Medidas provisórias consideradas importantes pelo governo, como a da carteira de trabalho verde e amarela, tornaram-se letra morta porque foram solenemente ignoradas pelo Congresso e o prazo de validade se esgotou antes de serem apreciadas em plenário.
Apesar do otimismo palaciano com a nova aliança, parlamentares experientes alertam para o comportamento dúbio do centrão, sobretudo ao pressentirem cheiro de ruína. Surgido no governo José Sarney, o grupo deu apoio a todos os presidentes seguintes, desembarcando quando não havia mais escapatória, como nos impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff. No dia da votação do impedimento da petista, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) tomou café da manhã no Palácio da Alvorada com Dilma e apoiou sua derrubada horas depois no plenário do Senado.
Os líderes do centrão
Arthur Lira (PP-AL) — Filho do senador Benedito Lira, é réu na Lava-Jato junto com o pai. Deputado em terceiro mandato, apoiou todos os últimos presidentes.
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) — Deputado em terceiro mandato, é réu na Lava-Jato. Foi ministro das Cidades de Dilma Rousseff e agora lidera o bloco de maioria na Câmara.
Roberto Jefferson (PTB-RJ) — Eminência parda do centrão, liderou a tropa de choque que tentou evitar o impeachment de Fernando Collor. Presidente do PTB, foi condenado e preso no mensalão.
Paulinho da Força (SD-SP) — Egresso da Força Sindical, transita ora na direita, ora na centro esquerda. Deputado em quarto mandato, foi condenado por improbidade e teve os direitos políticos cassados.
Valdemar Costa Neto (PL-SP) — Outra eminência parda do centrão, foi condenado e preso no mensalão e citado na Lava-Jato. Presidente do PL, renunciou a dois mandatos na Câmara por problemas na Justiça
Marcos Pereira (Republicanos-SP) — Pastor evangélico e presidente do Republicanos, abriu o partido para a família Bolsonaro e é a aposta do governo para comandar a Câmara nos próximos dois anos.
Gilberto Kassab (PSD-SP) — Criou o PSD, nas suas palavras “um partido que não é de direita, de esquerda, nem de centro”. Era ministro de Dilma no impeachment, mas trocou de lado para continuar na pasta com Temer.
Ciro Nogueira (PP-PI) — Expoente do baixo clero da Câmara, foi deputado por cinco mandatos antes de se eleger senador. É réu na Lava-Jato.
O centrão na órbita do poder
José Sarney — Surgido em meio aos debates da Constituinte, deu mais um ano de mandato ao presidente em troca de concessões de rádio e TV.
Fernando Collor — Apoiou o pacote econômico com confisco de poupança, mas abandonou o presidente diante do impeachment iminente.
Fernando Henrique Cardoso — Foi fundamental para aprovar a emenda da reeleição que garantiu um segundo mandato ao presidente.
Luiz Inácio Lula da Silva — Garantiu a governabilidade de um presidente que assumia cercado de desconfianças.
Dilma Rousseff — Apoiou o governo no primeiro mandato, mas no segundo aderiu às propostas de Eduardo Cunha e deu vazão ao impeachment.
Michel Temer — Barrou as duas denúncias criminais contra o presidente, evitando a abertura de ação penal e seu afastamento do cargo.