Presidente da comissão que revisou o Código de Processo Penal e ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp é taxativo ao afirmar as razões para a lista de Janot apresentar raros resultados. Para o jurista, houve excessos do Ministério Público Federal e falhas na apuração policial. Combinados com falta de vocação do Supremo Tribunal Federal para atuar como Corte criminal. Dipp considera que a Lava-Jato cometeu exageros, em especial o então procurador-geral Rodrigo Janot, e cita que atualmente algumas atitudes dele poderiam ser enquadradas na Lei de Abuso de Autoridade.
Cinco anos depois, o Supremo Tribunal Federal julgou apenas duas ações penais da chamada “lista do Janot”. Como o senhor avalia esse resultado?
É uma demonstração de que o Supremo não tem vocação para ser Corte de investigação, de instrução criminal, de verificação de prova e para lidar com polícia e Ministério Público. Também havia ali um exagero de pedidos de inquéritos, muitos deles sem qualquer fundamentação, sem qualquer corroboração.
As acusações eram fruto das delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Foi dado muito valor às delações?
Todas tiveram exagero brutal de informações que não se confirmaram. É o excesso de investigações, a parafernália de delações premiadas atirando para todos os lados, tentando indiciar todo mundo. Mesmo que algumas tivessem fundamentação, há a inércia do Supremo para conduzir inquéritos em fase inicial. Juntando essa série de coisas, fica evidente a disfuncionalidade do sistema penal, a inapetência do Supremo para investigações e o excesso punitivo e irresponsável da Lava-Jato, em especial na época do Rodrigo Janot.
Houve falhas do procurador na condução, ou há deficiências no Código de Processo Penal, por permitir muitos recursos?
Tudo. Esses elementos demonstram o porquê da paralisação dos inquéritos.
O inquérito-mãe tinha 38 políticos, mas só quatro foram denunciados. Todos deputados gaúchos do PP foram investigados, mas nada foi provado. Como ficam eventuais danos eleitorais?
Isso é irreversível. Em determinadas circunstância, até seria possível a pessoa que teve a reputação manchada ingressar com ação contra a União, por ato praticado por agente federal. Isso hoje enseja o uso da Lei de Abuso de Autoridade. O excesso de acusações e a falta de concretude joga no ralo a reputação de empresas e de pessoas.
E para o cidadão comum, não fica a impressão de impunidade?
A sensação é mesmo de impunidade. A sociedade pensa que a Justiça não funciona, especialmente para colarinho branco.
A prisão em segunda instância, revertida no STF, afeta o cenário?
Havia prisão em segunda instância até 2009 e se tinha a mesma sensação de impunidade. Depois parou-se de prender até 2016, voltou e agora parou de novo. Isso não resolve. O problema é um Judiciário sem recursos e polícia que não investiga. O sistema penal brasileiro é disfuncional.
Esse quadro turva a imagem da Lava-Jato de que ninguém está acima da lei?
Essa imagem se perdeu. Essas investigações que não foram feitas dão uma sensação de que eram alarmistas e falsas. E as que avançaram, muitas estão sendo modificadas pelo STF e STJ. Houve reconhecimento de excessos.