A candidata laranja do PSL Maria de Lourdes Paixão, que recebeu R$ 400 mil de verba pública eleitoral a quatro dias da eleição passada e declarou ter gasto R$ 380 mil numa gráfica de fachada, terá que devolver o dinheiro proveniente do fundo partidário.
Nesta quarta-feira (27), o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Pernambuco (PE) reprovou por unanimidade as contas da candidata e determinou a devolução de R$ 380 mil. Apesar do alto valor destinado à candidata, Maria de Lourdes, como mostrou a Folha de S.Paulo em fevereiro deste ano, obteve apenas 274 votos.
O Ministério Público Eleitoral de Pernambuco relatou que a despesa apontada na prestação de contas da candidata se referia à confecção de diversas peças gráficas, incluindo nove milhões de santinhos e 1,5 milhão de adesivos tipo "praguinha", no dia 3 de outubro de 2018. O Ministério Público informou que foi apresentada nota fiscal para comprovar realização das despesas.
No entanto, os procuradores eleitorais questionaram a veracidade do documento, argumentando que seria impossível confeccionar e distribuir todo esse material a quatro dias da eleição. Além disso, conforme o Ministério Público Eleitoral, não houve nenhuma prova de que os adesivos e santinhos tenham sido, de fato, impressos e distribuídos.
Reportagem da Folha de S.Paulo, publicada no dia 10 de fevereiro deste ano, revelou que o grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), foi o responsável pela criação da candidatura. Maria de Lourdes Paixão foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Jair Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann, que teve 1,079 milhão de votos.
O dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata em 3 de outubro. Na época, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, demitido no dia 18 de fevereiro, era presidente interino da legenda e coordenador da campanha de Bolsonaro, com foco em discurso de ética e combate à corrupção.
Apesar de ser uma das campeãs de verba pública do PSL, Lourdes teve uma votação que representa um indicativo de candidatura de fachada, em que há simulação de atos de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos. No dia 8 de fevereiro, a reportagem da Folha de S.Paulo visitou primeiramente um endereço que consta na nota fiscal da gráfica Itapissu, no bairro Arruda, na capital pernambucana, e encontrou apenas uma oficina de carros, que funciona há quase um ano no local.
No dia 11, um dia após a publicação da reportagem, a empresa, no endereço constante na Receita Federal, amanheceu de porta aberta. Numa sala pequena com duas mesas, não havia máquinas para impressão em larga escala.
No imóvel informado na Receita Federal, localizado no número 345 da avenida Santos Dumont, há um café instalado no térreo e um espaço para aulas de reforço. Ao ser questionada, a empresa, por meio do advogado, não informou onde o material da candidata havia sido rodado.
No dia 13 de fevereiro, a Folha de S.Paulo revelou ainda que Bebianno liberou R$ 250 mil de verba pública para a campanha de uma ex-assessora, que repassou parte do dinheiro para uma gráfica registrada em endereço de fachada.
Já no dia 14 de fevereiro, a Folha de S.Paulo mostrou que uma gráfica de pequeno porte de um membro do diretório estadual do PSL foi a empresa que mais recebeu verba pública do partido em Pernambuco nas eleições — sete candidatos declararam ter gasto R$ 1,23 milhão dos fundos eleitoral e partidário na empresa da cidade de Amaraji, interior de Pernambuco.
Maria de Lourdes teve sua defesa custeada pelo próprio partido durante o processo de investigação da Polícia Federal. Na época, o advogado dela na esfera criminal, Ademar Rigueira, declarou que o fato de Lourdes ter recebido R$ 400 mil de verba pública eleitoral a quatro dias da eleição ocorreu porque ela seria uma aposta do PSL. Segundo ele, em entrevista à imprensa em fevereiro, Lourdes e Luciano Bivar, deputado federal e presidente nacional do PSL, têm uma ligação que dura mais de 30 anos. Ela já trabalhou em duas empresas comandadas pelo político.
Questionado sobre o motivo de o dinheiro só ter sido repassado na semana final das eleições, a defesa tinha alegado que havia uma indefinição sobre se a verba destinada à cota para mulheres poderia ser utilizada de fato na campanha eleitoral. Rigueira também afirmou que o material foi efetivamente rodado, mas, apesar de toda a repercussão do caso, não soube, no dia do depoimento de sua cliente, precisar o endereço da gráfica. Também disse não se lembrar do nome da empresa.
O advogado declarou que uma parte da propaganda política que teria sido impressa ficou na residência da candidata. A outra parte teria sido levada ao comitê central de Jair Bolsonaro, então candidato a presidente, que funcionava na zona sul do Recife.
Procurado, Ademar Rigueira informou nesta quinta-feira (28) que não iria se pronunciar sobre a decisão do TRE-PE porque faz a defesa de Maria de Lourdes exclusivamente na esfera criminal.
O esquema de candidaturas laranja do PSL
Qual a origem da suspeita de esquema envolvendo candidatura laranja do PSL?
A Folha de S.Paulo revelou, em 4.fev, que o ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em Minas Gerais (MG) patrocinou um esquema de candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública do PSL, em 2018. Dias depois, em 10 de fevereiro, outra reportagem mostrou que o grupo do deputado Luciano Bivar (PSL-PE), presidente nacional da sigla, também criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição.
Como funcionou o esquema?
Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas receberam R$ 279 mil de verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro. No caso pernambucano, o dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata laranja quatro dias antes da eleição; só dois candidatos receberam mais dinheiro público do PSL Nacional do que ela.
Quais as evidências de que as candidaturas eram de laranjas?
Não há sinais de que elas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. As candidatas em Minas, juntas, somaram apenas cerca de 2 mil votos. A candidata em PE recebeu 274 votos.
Em buscas realizadas pela PF em MG no fim de abril, os policiais não encontraram nas gráficas citadas nas prestações de contas nenhum documento que indicasse que elas de fato prestaram os serviços declarados à Justiça Eleitoral; em PE, a Folha de S.Paulo não encontrou sinais de que a gráfica usada pela candidata tenha funcionado durante a eleição.
O que foi apurado até agora?
A PF afirmou que há indícios concretos de que houve irregularidades na prestação de contas das campanhas e que Álvaro Antônio era a cabeça do grupo que organizou o esquema. A suspeita é que os valores relatados foram desviados para outros candidatos ou para terceiros. Um depoimento e uma planilha obtidos pela PF sugerem que recursos do esquema foram desviados para abastecer, por meio de caixa 2, a campanha de Jair Bolsonaro e a de Álvaro Antônio. Em PE, a operação desta terça buscou esclarecer se houve "burla ao emprego de recursos" de recursos às candidatas mulheres.
Qual a origem da suspeita de caixa 2?
O coordenador da campanha de Álvaro Antônio a deputado federal disse à PF que acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas foi usada para pagar material de campanha do hoje ministro e de Bolsonaro. Em uma planilha há referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão "out", o que significa, na compreensão de investigadores, pagamento "por fora".