A visita do presidente Jair Bolsonaro a Santa Maria neste sábado (15) é um retorno à cidade na qual, 26 anos atrás, ele passou de visitante ilustre a persona non grata num intervalo de quatro dias. O que seria uma homenagem da Câmara de Vereadores acabou se transformando em repulsa após o político, então em início de carreira, pregar o fechamento do Congresso e a volta da ditadura militar. O título de persona non grata jamais foi revogado. Na quinta-feira (13), a Câmara aprovou uma moção de apoio ao presidente por suas ações no combate à corrupção.
Em sua primeira visita ao Estado após a posse, Bolsonaro prestigia neste sábado a Festa Nacional da Artilharia no 3º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado, o Regimento Mallet. Quase na mesma data, em 18 de junho de 1993, ele também participava de um ato organizado pelos militares. À época, tinha 38 anos, era deputado federal em primeiro mandato e seria laureado por militares após reaver na Justiça o direito das filhas de membros das Forças Armadas receberem pensão até completar 21 anos. O benefício havia sido cassado pelo então presidente Fernando Collor de Mello.
Poucos dias antes, a Mesa Diretora da Câmara de Vereadores editou o Ato Legislativo 21/1993, assinado pelo então presidente da Casa, Adi Forgiarini, à época filiado ao PPR (hoje Progressistas), mesmo partido de Bolsonaro. O documento concedia ao deputado o título de "visitante ilustre". No dia seguinte à homenagem, porém, a imagem do político ficou tisnada por uma entrevista concedida ao jornal local A Razão.
Na publicação, Bolsonaro defende o fechamento do Congresso Nacional por pelo menos seis meses e a volta do regime militar. Seria "um curto período de exceção", explicou. "Não vim pregar golpe militar, mas o fim dessa democracia irresponsável", declarou ao jornalista José Mauro Batista. O parlamentar foi além. Disse não estar à altura do cargo de deputado, que não gostava de política e atacou os partidos: "Nenhum partido vale nada no país".
O teor da entrevista logo chegou a Brasília, provocando reações na Câmara. Vice-presidente da Casa e colega de partido de Bolsonaro, o então deputado gaúcho Adylson Motta pediu retratação de Bolsonaro. Outro correligionário, o líder do partido à época, José Otávio Germano, propôs o afastamento do capitão da reserva dos quadros da legenda. Segundo Germano, "uma agremiação de centro, moderada e com propostas progressistas não pode dar guarida para reacionários de extrema-direita que pregam ao volta ao regime de exceção".
Diante de tamanha polêmica, os vereadores de Santa Maria reagiram. Por proposição do então vereador Paulo Pimenta (PT) — hoje um dos principais opositores do presidente no Congresso —, foi votado um novo requerimento no dia 22 de junho. Assim, quatro dias após ser recebido como "visitante ilustre", Bolsonaro se tornou persona non grata no município. A matéria foi aprovada por unanimidade pelos 17 vereadores presentes em plenário.
Na mesma sessão, também foi aprovada uma moção de repúdio às ideias defendidas pelo deputado na passagem pelo município, classificadas como "insanidade ideológica". Em discurso da tribuna, o vereador Isaias Romero, do mesmo partido de Bolsonaro, sugeriu que ele renunciasse ao mandato por discordar das regras democráticas. "E tem mais: capitão não manda. Quem manda é general. Se fosse ditadura, ele não falaria nada", complementou Romero.
Ao noticiar a reviravolta, o jornal A Razão disse que Bolsonaro pediu desculpas ao presidente da Câmara de Vereadores e se "mostrou surpreso com a politização dos gaúchos".
Em 2018, Jair Bolsonaro recebeu 91.619 votos no segundo turno em Santa Maria — o equivalente a 61,46% dos votos válidos.