BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Com o incômodo gerado por declaração de Jair Bolsonaro sobre mudança na reforma previdenciária, o Palácio do Planalto prepara um plano para limitar os comentários do presidente sobre o assunto.
A ideia, defendida por integrantes das áreas econômica e militar, é que ele comente em público apenas aspectos sociais ou pouco sensíveis da proposta, evitando pontos polêmicos que possam gerar mal-estar com o Poder Legislativo.
Em café da manhã com veículos de imprensa na quinta-feira (28), Bolsonaro indicou que a idade mínima para que mulheres tenham direito a se aposentar pode ser de 60 anos. No texto enviado, a previsão é de 62 anos.
Ele também disse que o modelo proposto para benefícios pagos a idosos carentes, o chamado BPC (Benefício de Prestação Continuada), também poderia ser discutido, além da fórmula de cálculo de pensão por morte, que reduz o valor a ser recebido.
Os recuos sinalizados por Bolsonaro irritaram o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é um dos grandes fiadores da proposta liberal, o que levou a equipe de governo a montar uma operação para conter os danos da declaração.
Guedes e Maia foram surpreendidos pelas notícias, principalmente porque a tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) mal começou. O texto foi apresentado na semana passada e ainda não começou a ser discutido pelo Poder Legislativo.
Segundo relatos feitos à Folha de S.Paulo, o presidente, para evitar novos desconfortos, foi aconselhado a salientar a partir de agora que, apesar de a proposta ter sido formulada pelo Executivo, eventuais mudanças são um assunto do Congresso.
A equipe presidencial ainda pretende pautá-lo a focar suas manifestações públicas em apenas três ou quatro itens, que sejam consenso e não tenham discordâncias do conjunto de medidas que endurecem os critérios para o recebimento de aposentadorias.
Apesar de ter 28 anos de experiência como deputado federal, o presidente cometeu um erro, na avaliação de integrantes do governo. Ele se precipitou e mostrou disposição a flexibilizar o texto, inclusive em pontos que não estavam no centro das discussões.
A avaliação interna foi de que em um ambiente mais intimista, no caso um encontro com um grupo reduzido de jornalistas, o presidente "desarmou a guarda" e se permitiu manifestar-se publicamente sobre um assunto delicado.
No Executivo e no Legislativo, o consenso é que o discurso do governo tem de ser alinhado ou há risco de a batalha da comunicação ser perdida e colocar em risco toda a proposta. O diagnóstico é o de que o presidente tem de ser o garoto-propaganda das mudanças nas aposentadorias, mas não pode cometer o mesmo erro.
Caso Bolsonaro siga a recomendação, será uma vitória de Guedes, um dos mais irritados com o aceno do presidente. O ministro também ganhou a disputa contra o aumento de impostos (alta do IOF) e conseguiu o silêncio de Bolsonaro durante a fase final de elaboração da reforma.
O desapontamento do ministro, chamado por Bolsonaro de "posto Ipiranga" para assuntos econômicos, foi tão grande que assessores presidenciais tiveram que acalmá-lo. Nos primeiros dias do governo, o presidente defendeu idades mínimas de 57 anos para mulheres e 62 anos para homens.
Para Guedes e para Maia, esses patamares são considerados muito baixos. A declaração, à época, foi interpretada pelo governo como desastrosa para a reforma. Bolsonaro, então, saiu de cena.
Desde que a proposta foi apresentada, o Congresso, em grande maioria, se posicionou contra mudanças no BPC e nas regras para aposentadoria rural. Mas pouco se falava sobre idade mínima para mulheres -um dos pontos centrais da reforma.
Guedes voltará a defender a íntegra da PEC, que prevê uma redução de R$ 1,072 trilhão nos gastos públicos em dez anos. A equipe econômica mantém a meta de aprovar uma reforma com economia na casa do trilhão.
Segundo o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, ao falar sobre a idade mínima o presidente quis apenas dar um exemplo de que a Câmara dos Deputados pode fazer alterações no texto da proposta enviado pela equipe econômica.
"Como o assunto é de interesse geral e afeta todo mundo, qualquer coisinha é de uma sensibilidade incrível. O presidente disse que a Câmara dos Deputados pode mexer nisso e naquilo, mas não quer dizer que ele está mexendo ou que está antecipando", disse à Folha de S.Paulo.
O discurso é semelhante ao da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP). Ela disse que conversou com o presidente e ele negou que tenha sinalizado recuo na PEC da Previdência.
"Ele quis dizer que a bola é do Congresso. O Congresso pode fazer o que quiser. Ele pode até mexer na idade. Agora, é preciso que fique claro: qualquer mudança abrupta vai significar o desvirtuamento da reforma", disse.
O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, se reuniu com deputados do PSL nesta sexta-feira (1º) e defendeu o modelo proposto para o BPC.
Atualmente, é pago um salário mínimo (R$ 998) para pessoas acima de 65 anos e em condições de miséria. A PEC prevê que esse valor seja recebido por quem tiver mais de 70 anos de idade.
Para pessoas entre 60 anos e 70 anos, o benefício seria de R$ 400. Esse é um dos pontos mais criticados pela oposição e pela base do governo no Legislativo. Por isso, Bolsonaro indicou fazer concessões sobre o BPC.
"Quando ele tem 60 anos e é pobre, R$ 400 faz muita diferença", disse.
No debate da reforma, líderes de partidos aliados ao governo já defendem mais concessões, principalmente na aposentadoria rural e para categorias com regras especiais: professores e policiais.
Em linha com a estratégia de tentar reparar os danos causados, Bolsonaro foi aconselhado a antecipar a apresentação do projeto de lei para estender o tempo mínimo de serviço para militares e aumentar a tributação sobre salários e pensões para a categoria.
Com a proposta de endurecimento das regras para as Forças Armadas, a reforma elaborada por Guedes alcançaria uma economia de R$ 1,164 trilhão em dez anos.
Parlamentares pressionam para que esse projeto seja enviado logo para o Congresso a fim de certificar que todos os setores da sociedade serão afetados pela reforma.