Para quem acabara de ser alvo de uma ruidosa operação da Polícia Federal, o advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior estava descontraído no final da tarde desta sexta-feira (21) quando falou ao telefone com a reportagem.
— Estou surfando em águas havaianas — disse ele, entre gargalhadas, sobre a possibilidade de a PF descobrir alguma irregularidade no patrocínio da defesa de Adelio Bispo de Oliveira, o homem que tentou matar o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
— O que eles querem saber é se foi o Lula que pagou a defesa, se foi o PSOL, o Jean Willys — completou Zanone.
Adelio foi filiado ao PSOL, mas rompeu relações com o partido, e nenhuma relação entre o seu passado como militante político e o atentado foi comprovada.
O criminalista classificou como "normal" a operação feita em seu escritório, em Belo Horizonte, mas considerou a apreensão de seu telefone celular um precedente perigoso.
— Ali tem a intimidade de mais de mil pessoas que escolheram o meu escritório, inclusive policiais, promotores. A partir de agora, qualquer juiz vai tomar telefone de advogado no momento que quiser, até dentro do fórum. Isso é um risco para o direito de defesa de qualquer pessoa — afirmou.
Por este motivo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou repúdio à operação da Polícia Federal. O trecho da lei citada pela entidade destaca como direito do advogado "a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia".
Segundo a norma, essa inviolabilidade só pode ser quebrada existindo indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, e com mandados cumpridos com a presença de representante da OAB.
Advogado recebeu R$ 300 mil de um patrocinador anônimo
Zanone negou com veemência a hipótese de ter assumido a causa de graça, em troca da enorme exposição que o caso pode lhe trazer, e reafirmou aquilo que já havia dito em depoimento: recebeu o pagamento de um patrocinador anônimo, que desapareceu depois de pagar o valor total. Em um primeiro momento, recebeu R$ 25 mil. O valor total ganho com o trabalho chegou a R$ 300 mil. Veículos de comunicação bancaram viagens da defesa a Campo Grande (MS), onde Adelio está preso em regime de segurança máxima.
— Estou totalmente tranquilo. Podem procurar que não vão achar uma agulha aqui. Eu me cuido. Mas fico pesaroso porque está abrindo um precedente — disse o advogado.
Ele creditou a ação da PF e o aumento das cobranças por um esclarecimento do caso nas redes sociais à proximidade da posse de Bolsonaro.
— Isso é por causa da posse. Inclusive se o Bolsomito quiser contratar o meu escritório é só me procurar. Não tenho absolutamente nada contra ele — afirmou.
Adelio diz que foi ele quem elegeu Bolsonaro, diz advogado
Zanone disse que não conversa com seu cliente já há algum tempo, mas que Adelio tem se mostrado tranquilo.
— Estão alimentando e tratando bem dele — afirmou o advogado.
Ele defende que o autor da facada sofre de problemas mentais. No meio da semana foi anexado ao processo que corre sob sigilo o laudo do exame psiquiátrico de Adelio. Em janeiro ele será submetido a exames psicológicos.
— Adelio diz que só se arrepende de não ter logrado êxito (na tentativa de assassinato). É por isso que estou alegando insanidade. Adelio diz que foi ele quem elegeu Bolsonaro. Foi a primeira coisa que me perguntou quando estive lá. Ele acabou com a rejeição ao Bolsonaro. O povo brasileiro adora uma vítima — disse Zanone.
Segundo ele, a PF não vai descobrir quem pagou a primeira fase da defesa "a não ser que a pessoa queira", e aproveitou para passar uma orientação:
— Escreva aí que, se a pessoa quiser manter a cláusula de confidencialidade, que não me procure e nem a nenhum dos advogados do meu escritório, pois estamos todos grampeados. Essa conversa nossa, agora, está sendo espelhada".
Zanone notificou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a tomar providências sobre possíveis abusos cometidos na operação da PF, mas acredita que a única forma de evitar que casos como este voltem a ocorrer é o Congresso criminalizar a quebra de prerrogativas da advocacia.
Nesta sexta-feira, o conselho federal da OAB emitiu uma nota condenando a ação da PF no escritório de Zanone.
"Se confirmadas as informações divulgadas pela imprensa como justificativa do cumprimento da ordem judicial, estaremos diante de um atentado à lei e ao Estado Democrático de Direito. Não se pode pretender combater o crime cometendo outro crime", diz a nota, que considera a ação da PF nula do ponto de vista jurídico.