A escolha do diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, para comandar o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro causou reação da bancada evangélica, que defende projetos como o Escola sem Partido, e gerou um atrito no novo governo. Segundo fontes ouvidas pelo jornal O Estado de S. Paulo, o educador foi convidado e pretendia aceitar o cargo em um reunião marcada para a manhã desta quinta-feira, 22, com o presidente eleito, em Brasília. A notícia foi dada com exclusividade pelo estadao.com.br. Algumas horas depois, no entanto, integrantes da Frente Parlamentar Evangélica disseram que Mozart não tinha "afinidade ideológica" com o novo governo.
Parlamentares foram três vezes ao gabinete de transição nesta quarta-feira, 21, para conversar com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), sobre a indicação de Mozart. Em uma delas, o assunto foi tratado diretamente com o presidente eleito. Eles manifestaram preocupação com um perfil classificado como de "viés ideológico da esquerda". Questionados se tinham alguma indicação para a vaga, eles decidiram fazer uma reunião interna e voltar a conversar com a equipe de transição.
No início da noite, o presidente eleito declarou em sua conta no Twitter que, "até o presente momento, não existe nome definido para dirigir o Ministério da Educação". Pessoas próximas a Bolsonaro disseram que, em função da reação, ele já estaria pensando em nomes alternativos - entre eles, o do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), autor de um dos projetos sobre o tema do Escola sem Partido.
"A bancada evangélica não vai respaldar um ministro que não tenha afinidade ideológica. Dois temas cruciais para a bancada são o Escola sem Partido e a ideologia de gênero", disse o deputado Ronaldo Nogueira (PTB-RS), ligado à Assembleia de Deus. Ele, no entanto, ressaltou que não se tratava de "veto ao nome", porque Mozart "é uma pessoa muito respeitada até pelo histórico dele". Mas que ele não seria "feliz atuando como ministro sem convicção a esses temas". O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) foi mais enfático. "O Mozart é de esquerda, tem nosso veto", afirmou.
Procurado, Mozart não respondeu aos pedidos de entrevista. O Instituto Ayrton Senna afirmou em nota que não houve convite, mas confirmou que haveria uma "reunião técnica" nesta quinta entre ele e Bolsonaro.
Técnico
Mozart, de 52 anos, é um dos nomes mais respeitados da educação no País, foi secretário estadual em Pernambuco e reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Sua indicação para o cargo chegou a ser saudada por especialistas da área. Além de ter perfil técnico e moderado, ele é tido como bom articulador porque transita pelas áreas pública, privada, do terceiro setor e pela academia. Representantes de alas mais à esquerda na educação, apesar de o respeitarem por ser aberto ao diálogo, têm divergências com Mozart e o consideram liberal.
A escolha inicial de seu nome se deu depois da aproximação de Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna, com o grupo de Bolsonaro. Antes mesmo da vitória do então candidato do PSL, ela se encontrou com ele e levou Mozart junto. Viviane foi apresentada a Bolsonaro pela deputada federal eleita Joice Hasselmann (PSL). Depois disso, Bolsonaro telefonou para Viviane e pediu que ela o ajudasse com propostas para a educação.
Na semana passada, houve um novo encontro em que estavam presentes Viviane, Mozart, o economista do Ayrton Senna, Ricardo Paes de Barros, e Priscila Cruz, do Todos pela Educação. Eles apresentaram a Lorenzoni e à Joice um cenário da educação brasileira e disseram que é preciso focar as iniciativas da pasta em alfabetizar todas as crianças de 8 anos e valorizar o professor. Apesar de não terem sido feitas críticas diretas ao Escola sem Partido, o grupo deixou claro que o novo governo não deveria ficar marcado pela "perseguição de professores".
Oposição
Em entrevista ao Estado na semana passada, ao ser perguntada sobre o Escola sem Partido, Viviane disse que o novo governo precisa substituir pautas que "não impactam a aprendizagem pelas que impactam". Mozart, por ter um perfil pouco afeito a polêmicas, não tem se pronunciado sobre o projeto. Mas o Estado ouviu diversas pessoas próximas a ele e todas foram categóricas em dizer que Mozart não aprova medidas que poderiam impedir a liberdade do professor. Em audiência na Câmara dos Deputados em 2015, ele chegou a dizer que era contra o projeto que estava sendo discutido na Casa.
Mozart é formado em engenharia química, foi professor da UFPE e presidente do Movimento Todos pela Educação. Priscila, que ocupa hoje o cargo na entidade, diz que ele "é um dos melhores nomes no País para assumir o MEC". "Ele tem capacidade técnica para conseguir combater o principal problema da educação brasileira, que é crise de aprendizagem."
O ex-ministro da Educação no governo Dilma Rousseff Renato Janine Ribeiro afirmou que Mozart conhece bem a educação, tanto superior quanto básica. "Ele sabe da necessidade de fortalecer a formação de professores, para garantir que todos os alunos tenham uma boa escolaridade."
Mozart não é vinculado a nenhum partido e, por isso, transita bem pela esquerda e pela direita. Foi secretário no governo de Jarbas Vasconcelos (MDB) e tem boas relações inclusive com Fernando Haddad (PT), candidato derrotado por Bolsonaro nas eleições. No entanto, discordaram quando Mozart publicou estudo falando de um "apagão" de professores na área de ciências no País. Haddad era o ministro da Educação na época e não gostou da crítica.
Foi na gestão de Mozart em Pernambuco, entre 2003 e 2006, que o Estado começou o projeto de ensino integral nas escolas de ensino médio, referência no País. Os pernambucanos têm hoje alguns dos melhores resultados em avaliações nacionais. "Ele tem um perfil de ideias liberais", diz o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, que era dirigente do sindicato dos professores de Pernambuco na época. Araújo critica o fato de Mozart ter permitido parcerias de escolas com a iniciativa privada.
'Bandeiras' dificultam escolha
A educação foi um dos temas mais importantes da pauta sobre valores morais trazida por Jair Bolsonaro à eleição presidencial. O presidente eleito defendeu fortemente o projeto Escola sem Partido, que determina que professores não podem discutir política, sexualidade ou gênero nas escolas. Essa posição - criticada por boa parte da comunidade educacional - dificultou a escolha do futuro ministro da pasta porque Bolsonaro também queria um nome técnico.
Desde que foi eleito, diversos nomes foram cotados para o cargo. A atual presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Maria Inês Fini, foi um dos mais fortes. Apesar de estar ligada a gestões do PSDB, ela chegou a fazer campanha para Bolsonaro e é próxima de militares. No entanto, logo depois do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), seu nome foi descartado.
O primeiro nome que circulou como provável ministro foi o do ex-funcionário da FGVargas Stavros Xanthopoylos. Ele é especialista em educação a distância, política que foi mencionada no programa de governo de Bolsonaro como solução para escolas rurais.
O Escola sem Partido está atualmente em discussão em comissão especial da Câmara. Há três semanas, deputados de esquerda impedem a votação. Se ele for aprovado segue ainda para votação no plenário. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.