Redator de anais com salário de R$ 42,4 mil. Técnico contábil com contracheque de R$ 63 mil. No topo da remuneração, um agente legislativo: R$ 70,1 mil. Essa é a realidade dos salários brutos mais altos da Câmara de Vereadores de Ijuí, onde servidores de carreira têm vencimentos mais elevados que os vereadores (R$ 7,1 mil) e que o prefeito da cidade (R$ 21,2 mil).
Para definir o pagamento líquido aos funcionários, a Câmara de Ijuí aplica o chamado teto constitucional, que impõe como limite o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 33,7 mil. Com o teto escolhido pela Câmara de Ijuí, o servidor com salário mais alto, no cargo de agente legislativo, recebe líquidos R$ 32,4 mil. O redator de anais recebe R$ 26,4 mil.
Em termos gerais, a Constituição define que, nos municípios, o máximo que um funcionário pode ganhar é o salário do prefeito — e não o de ministros do STF. Na Câmara de Ijuí, há quatro servidores que recebem, em valores líquidos, acima dos R$ 21,4 mil pagos ao chefe do Executivo municipal. O motivo dos pagamentos, segundo o presidente da Câmara, vereador Rubem Carlos Jagmin (PP), é um conjunto de leis aprovado pelos próprios vereadores, por unanimidade, em 2016.
— Não existem "supersalários". No passado até tinha salários altos. Mas, em 2015, teve uma decisão judicial, e foi adequado ao teto do STF. Então, (esses funcionários) estão recebendo o valor de (até) R$ 33,7 mil de julho de 2015 para cá. Em 2016 teve uma lei municipal que os próprios vereadores aprovaram, com teto em R$ 33,7 mil. O teto salarial é o da lei municipal. E, conforme a lei municipal, não tem o que fazer — alega o presidente da Câmara.
As leis que são usadas como base para os pagamentos estão em debate judicial. Em março de 2017, o Ministério Público (MP) questionou na Justiça a constitucionalidade das cinco leis aprovadas pela Câmara de Ijuí em 2016 que apontam que o teto no município é o de ministro do STF. Em dezembro, por unanimidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ) acolheu os argumentos e considerou as leis inconstitucionais. Na decisão, os desembargadores apontaram: "O fato é que o subteto remuneratório, no âmbito municipal, é o subsídio percebido pelo prefeito".
A Câmara de Ijuí recorreu com embargos, mas também foi derrotada. Um segundo recurso segue aguardando análise do Tribunal de Justiça. O advogado da Câmara de Ijuí, que assina os recursos em defesa da constitucionalidade das leis municipais, é Cleodemar Ribas Paz. Ele é o mesmo servidor que ganha salário bruto de R$ 70,1 mil e líquido de R$ 32,4 mil.
Paz entende que uma das leis de 2016 que está sob questionamento judicial fixou o salário do prefeito em R$ 33,7 mil, o que, segundo ele, abre brecha para os quatro funcionários do legislativo receberem os atuais vencimentos. O contracheque do prefeito de Ijuí, entretanto, é de R$ 21,2 mil. Segundo o advogado da Câmara, o prefeito está recebendo menos do que deveria por opção própria.
— Essa questão (do salário do prefeito) gera um desconforto tanto para a Câmara quanto para nós servidores. Renúncia de vencimento não existe na administração pública — alega Paz.
O prefeito de Ijuí, Valdir Heck, discorda. Segundo ele, o salário de prefeito está sendo corretamente pago, de acordo com a legislação municipal, e o que está errado é o pagamento de servidores da Câmara em valores acima do permitido.
— Eu vejo com preocupação, porque a Câmara precisa adequar esses montantes. Nós do Executivo não temos ingerência (sobre a Câmara), mas a preocupação existe. Também a Procuradoria do município acompanhou esse processo e passou para o presidente da Câmara essa orientação de que é inconstitucional essa prática — disse Heck.
Ministério Público apura situação
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério Público (MP), autor da ação de inconstitucionalidade, se manifestou afirmando que as referidas leis de Ijuí são inconstitucionais e que os salários municipais não podem ser pagos acima do que ganha o prefeito. O Ministério Público evita responder sobre os casos concretos dos quatro servidores. Ainda segundo a assessoria do órgão, além da ação movida pelo Procurador-Geral de Justiça, a Promotoria de Ijuí tem um inquérito civil público em andamento sobre o tema.
No Tribunal de Contas do Estado (TCE), há uma inspeção especial aberta, desde 2015, sobre as contas da Câmara de Ijuí. A investigação, entretanto, ocorre em sigilo.
Somatório de bonificações
Os quatro funcionários que recebem salários brutos acima dos vencimentos do prefeito somam tais valores a partir de uma série de bonificações — conforme informações disponíveis no Portal da Transparência da Câmara de Ijuí.
O servidor com vencimento mais alto, por exemplo, parte de um salário base de R$ 15,9 mil. Mas, somam-se em seu contracheque 10 avanços, gratificações, promoções, vantagens pessoais e abono permanência que elevam o vencimento para R$ 70,1 mil. Desse valor, a Câmara desconta do servidor o imposto de renda, a previdência e mais R$ 32,7 mil da rubrica "Abate Teto" — para que o valor não ultrapasse o salário dos ministros do STF.
Segundo a Câmara de Ijuí, parte dessas bonificações é fruto de vitórias judiciais antigas dos servidores, enquanto o restante decorre de avanços no plano de carreira.