A ação de improbidade administrativa que apura fraude no fornecimento de merenda para escolas municipais de Sapucaia do Sul foi protocolada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 25 de novembro de 2008, mas somente agora, quase 10 anos depois, foi recebida pela Justiça Federal. A decisão do juiz da 2ª Vara Federal de Canoas, Felipe Veit Leal, é de sexta-feira (24).
"Enfrentadas as questões prefaciais, os demais argumentos trazidos pelos demandados dizem respeito ao mérito da ação, sendo insuficientes para obstar o seu prosseguimento em face do conjunto probatório que acompanha a inicial", destacou o magistrado.
Significa que, a partir dessa data, os apontados por desvio de recursos públicos passam a ser réus. Respondem à ação o ex-prefeito Marcelo Machado, o ex-vice-prefeito Gilberto Alves, o ex-secretário municipal de Educação Flávio José Fialho e mais 19 pessoas, empresas e o município de Sapucaia do Sul.
Conforme a Polícia Federal e o MPF, em 2005, empresas terceirizadas desviavam dinheiro de contratos de fornecimento de alimentação para escolas das redes municipais por meio de pagamento de propina. Além da ação de improbidade, também tramita na Justiça Federal uma ação criminal sobre a suposta fraude da merenda em Sapucaia do Sul.
Em Canoas, uma ação criminal semelhante resultou na condenação de 10 pessoas em maio deste ano. Também há uma ação de improbidade para apurar desvios na prefeitura de Canoas.
Demais réus
Além do então prefeito, do vice e do secretário da Educação de Sapucaia do Sul, são réus Gilberto Sant'Anna da Silva, Sílvia de Souza Ferrão, Djalmo da Silva Medeiros, Silvio Marques, Hélio Vieira, Estélvio Schunck, Carlos Renan Machado Presser e a empresa Gourmaitre Cozinha Industrial e Refeições. Todos fizeram a manifestação inicial no processo e negaram qualquer irregularidades nos contratos.
Já Cibelli Cristina dos Santos, Edivaldo Leite dos Santos, Eloizo Gomes Duraes, Genivaldo Marques dos Santos, Ivete Beatriz da Rocha, Vilson do Nascimento e Valmir Rodrigues dos Santos e as empresas SP Alimentação e Verdurama Comércio de Alimentos e o Município de Sapucaia do Sul deixaram passar o prazo e não se manifestaram quando intimados. Carlos Roberto Medina morreu durante a tramitação do processo.
O que dizem os réus
Marcelo Machado - Conforme relatório do juiz, "em preliminar, arguiu a incompetência da Justiça Federal, sustentando que as verbas atinentes à merenda escolar foram incorporadas ao patrimônio do Município, ficando sujeitas apenas à fiscalização do TCE/RS, sendo inaplicável o verbete da Súmula nº 208 do STJ. Referiu a existência de uma delação premiada nos autos do Processo nº 5007988-56.2011.404.7112 que viria em benefício do Corréu Genivaldo Marques dos Santos, a qual deve ser franqueada aos demais acusados. No mérito propriamente dito, sustentou não haver nenhuma ilegalidade no processo de terceirização da merenda escolar, sendo que tudo foi acompanhado pelo próprio MPF durante a sua gestão, inclusive com a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta entre o referido órgão e o Município".
Gilberto Antônio Alves - Conforme relatório do juiz, "sustentou que, no curso da gestão 2005-2008, não exerceu qualquer cargo de Secretário Municipal, pelo que não tinha poderes para tomar decisões em nome do Município. Que nos curtos períodos em que exerceu o cargo de Prefeito nas ausências do titular, praticou apenas atos de rotina administrativa, os quais vinham todos fundamentados em pareceres da Procuradoria do Município. Discorreu sobre os elementos que caracterizam atos de improbidade administrativa, aduzindo que em nenhum momento sua atuação na administração municipal importou em enriquecimento ilícito, lesão ao erário público, violação dos princípios gerais da administração, tampouco que tenha agido com dolo ou culpa. Referiu que, em que pese ter conhecimento da terceirização da merenda escolar, não teve qualquer participação ou conhecimento sobre a forma de tramitação dos procedimentos licitatórios, o que era de competência exclusiva da Secretaria de Educação".
Gilberto Sant'anna da Silva - Conforme relatório do juiz, "negou ter praticado qualquer ilicitude. Aduziu que sua participação na terceirização da merenda escolar limitou-se a solicitar, por uma única vez, a contratação de empresa especializada na prestação de serviços de preparo de refeições, em conformidade com o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Referiu que, na qualidade de Secretário de Educação, notificou a empresa SP Alimentação, por mais de uma vez, questionando alguns itens do contrato, o que demonstraria sua independência em relação à empresa. Negou ter recebido qualquer vantagem econômica indevida que tenha causado ou não dano ao erário".
Sílvia de Souza Ferrão - Conforme relatório do juiz, "aduziu que a única razão de estar no polo passivo desta ação é o fato de ter assinado uma requisição integrante de processo já iniciado no ano anterior à sua nomeação como secretária adjunta da educação, cargo que ocupou por menos de dois anos e cujas atribuições eram a de substituição e submissão às determinações do titular da pasta. Sustentou que não há qualquer irregularidade, direcionamento ou ilicitude na requisição, a qual não determinou a contratação de empresa, nem a dispensa ou a realização de licitação em determinada modalidade".
Djalmo da Silva Medeiros - Conforme relatório do juiz, "sustentou a regularidade de todo o procedimento de terceirização da merenda escolar, referindo que na época ocupava o cargo de Secretário Adjunto há apenas 17 dias. Referiu que a requisição de empenho nº 026/05, elaborada no dia 19/01/2005 e que não foi por ele assinado, não estava direcionada à SP Alimentação, sendo que tal documento foi encaminhado à Secretaria da Fazenda somente em 15/03/2005, após encerrado o processo licitatório. Aduziu que todo o procedimento licitatório passou pelo crivo do corpo técnico da Administração Municipal, não tendo sido levantada qualquer suspeita de irregularidade. Ainda, refutou a acusação de enriquecimento ilícito, referindo que sua situação patrimonial inclusive decresceu no período em que exerceu a função pública".
Gourmaitre Cozinha Industrial e Refeições, Silvio Marques e Hélio Vieira - Conforme relatório do juiz, "argumentaram que a presente ação tem natureza política, não havendo irregularidades que lhes sejam imputáveis. Aduziram que a presente ação teve origem em denúncia anônima, o que se mostra irregular uma vez que ficou comprovada a qualidade da merenda escolar servida aos alunos da rede municipal. Discorreram sobre a ilegalidade da denúncia anônima como origem de ação civil pública. No mérito propriamente dito, defenderam a regularidade do procedimento licitatório, sendo a Empresa Ré julgada inabilitada para prosseguir no certame. Refutaram a alegação de fraude em razão de a mesma pessoa ter retirado cópia do edital para mais de uma empresa".
Estélvio Schunck - Conforme relatório do juiz, "negou qualquer envolvimento nos fatos descritos na inicial, não havendo provas de que tenha praticado algum ato ilícito a respeito da terceirização da merenda escolar. Referiu que sua relação de subordinação à empresa contratada para o fornecimento da merenda escolar no município de Sapucaia do Sul, RS, não implica na autoria de quaisquer dos fatos narrados na inicial".
Carlos Renan Machado Presser - Conforme relatório do juiz, "em preliminar, arguiu a incompetência da Justiça Federal, sustentando que as verbas atinentes à merenda escolar foram incorporadas ao patrimônio do Município, ficando sujeitas apenas à fiscalização do TCE/RS, sendo inaplicável o verbete da Súmula nº 208 do STJ. Discorreu sobre o histórico dos fatos perquiridos na presente ação e sua atuação ao longo do tempo, referindo que sempre tratou com zelo e transparência as questões ligadas à terceirização da merenda escolar. Aduziu que toda a ação administrativa foi comunicada e entabulada com o MPF, de modo que não há que se falar em improbidade administrativa ou prejuízo ao interesse público. Alegou inexistir qualquer ilegalidade nos atos praticados, prova de superfaturamento ou de dano ao erário, sendo todo o processo da terceirização da merenda escolar acompanhado pelos órgãos técnicos do Município e pelo próprio MPF".
GaúchaZH tenta encontrar os demais réus para que se manifestem sobre o recebimento da ação. Também aguardamos uma posição da Justiça Federal para saber o motivo da demora na tramitação do processo.