Em um processo aberto para apurar possíveis ilegalidades no decreto dos portos, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta terça-feira (26) restringir as prorrogações de contratos de empresas no setor portuário sem licitação que poderiam ser feitas com base no decreto, assinado pelo presidente Michel Temer em maio de 2017.
O tribunal determinou que o Ministério dos Transportes não permita renovações por até 70 anos nos casos de contratos assinados antes do decreto. Além disso, prevê que os contratos assinados entre 1993 e 2017, só poderão ser renovados uma única vez, porque essa era a previsão legal na época da assinatura dos contratos.
Além disso, o TCU decidiu encaminhar à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma cópia da decisão para que o órgão analise se é inconstitucional a renovação de contratos posteriores ao decreto no prazo de 70 anos que ele prevê. Ministros viram indícios de inconstitucionalidade no prazo de 70 anos.
O posicionamento do tribunal atinge em especial os contratos assinados entre 1993 e 2017, que são a maioria dos 114 pedidos de adaptação de contratos feitos ao Ministério dos Transportes após a edição do decreto. Entre as empresas que pediram readequação nos contratos com base no Decreto dos Portos estão a Libra e a Rodrimar, que têm representantes investigados no Supremo Tribunal Federal no inquérito dos Portos junto com o presidente Michel Temer. O inquérito foi aberto para apurar se Temer beneficiou empresas do setor portuário em troca de vantagens indevidas.
A previsão de renovação de contratos num prazo de até 70 anos foi introduzida pelo decreto, que permitia contratos de 35 anos renováveis sucessivas vezes até chegar a sete décadas. Mas não há previsão legal para esse prazo, segundo o tribunal. Embora ministros tenham apontado que esse prazo é incompatível com os princípios da administração pública e que a prorrogação até 70 anos seria inconstitucional, eles limitaram apenas o efeito retroativo, para os contratos assinados entre 1993 e 2017, quando foi assinado o decreto.
Em um segundo ponto analisado pelos ministros, o tribunal decidiu também que irá monitorar, um por um, os pedidos de troca de área dentro do tribunal - outro ponto questionado no processo em análise no tribunal.
"Entendemos que não seria razoável fazer restrição a troca de áreas nas situações excepcionais em que para fins de administração e eficiência do porto uma área equivalente a uma outra dentro do mesmo porto possam ser permutadas. É claro que isso abre, e essa foi uma preocupação da área técnica, margens para desvios. E por isso acolhemos a proposta do ministro Muccio para que, em cada processo, sempre que alguém pretender permutar uma área do porto por outra equivalente, terá de ser analisado um processo aqui no TCU e o TCU irá examinar", disse Bruno Dantas.
O último ponto em discussão era o que questionava se as empresas poderiam realizar obras fora da área que ocupam do terminal. O tribunal entendeu que sim, mas com algumas restrições. Além de necessidade de uma relação direta com o serviço que nele é realizado, a obra tem que estar na área pública do porto e o orçamento tem que ser previamente aprovado pela autoridade portuária.
Inconstitucionalidade
Quanto aos contratos posteriores a maio de 2017, apenas o Supremo Tribunal Federal pode analisar se o decreto presidencial é constitucional. Por isso, o TCU decidiu encaminhar uma cópia da decisão e da análise feita pela Corte de Contas à Procuradoria-Geral da República (PGR), para que ela avalie se é o caso, ou não, de propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando o decreto na Suprema Corte.
O único ponto de inconstitucionalidade é o da prorrogação por até 70 anos na ausência de uma previsão da lei. A lei é omissa quanto ao prazo máximo. A questão é saber se é compatível com os princípios da administração pública a renovação para casos futuros. Para casos passados já está dito que não pode", disse o ministro Bruno Dantas.
O ministro Benjamin Zymler chegou a dizer que a previsão de 70 anos é inconstitucional. "Se quer minha opinião, se nós estivéssemos no Supremo Tribunal Federal (STF), essa norma é inconstitucional mesmo", disse, ressalvando que o TCU não pode decidir sobre esse ponto.
O decano do TCU, ministro Walton Rodrigues, apontou que a licitação periódica é algo que gera competição, permite que novas empresas entrem no mercado e assim favorece o princípio republicano e interesse público. A possibilidade de prorrogações sucessivas até 70 anos permitira que o setor portuário se renovasse, segundo o entendimento da corte.
"O decreto deu de sobejo vantagens econômicas imensas para todas as concessionárias das áreas portuárias", chegou a dizer Walton Rodrigues no julgamento ao criticar as renovações de contrato sem licitação.
A Rodrimar, o Grupo Libra e associações de empresas do setor portuário foram contatadas pela reportagem sobre o impacto da decisão, mas ainda não enviaram manifestação.