O decreto 9.048/2017, popularmente conhecido como decreto dos portos, que pode desencadear a terceira denúncia contra o presidente Michel Temer, completou um ano na última quinta-feira (10). No entanto, os principais itens do documento, como a que permite investimentos não previstos em contrato, ainda não entraram em vigor. A nova regulamentação, segundo o governo, busca flexibilizar regras previstas no decreto 8.033, assinado em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff.
Uma das principais mudanças é a alteração do artigo 19, que ampliou de 25 anos para 35 anos os prazos dos contratos de concessões e arrendamentos e permitiu que eles possam ser prorrogados até o limite de 70 anos. A medida permitiria investimentos que não estavam previstos nos contratos iniciais. Essa modificação é uma das principais suspeitas em relação ao ato presidencial.
"Nas hipóteses em que for possível a prorrogação dos contratos, caberá ao órgão ou à entidade competente fundamentar a vantagem das prorrogações em relação à realização de nova licitação de contrato de concessão ou de arrendamento", diz um trecho do artigo que trata da prorrogação.
A Comissão dos Portos, que representa entidades do setor portuário, divulgou nota criticando a não implementação das mudanças previstas no novo decreto. A entidade afirma que o impasse está prejudicando o setor portuário. Segundo o órgão, o entrave impede investimentos privados nos portos estimados em R$ 23 bilhões.
A assinatura do decreto é alvo de investigação da Polícia Federal (PF). Segundo a investigação, Temer teria alterado pontos da regulamentação para beneficiar a empresa Rodrimar, que atua no porto de Santos, em troca de propina.
O dono da companhia, Antônio Celso Grecco, foi um dos presos na Operação Skala, que também atingiu amigos do presidente. Como Temer tem foro privilegiado, o inquérito corre no Supremo Tribunal Federal (STF). Luis Roberto Barroso é o relator do caso. Na segunda-feira (7), o ministro negou pedido da defesa de Temer para arquivar as investigações que apuram suspeitas de irregularidades e atendeu ao pedido da Polícia Federal, prorrogando a apuração por 60 dias.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também analisa o caso. Em março, GaúchaZH teve acesso ao relatório do tribunal que aponta irregularidades na assinatura do decreto. O documento, produzido pelo auditor Rafael Lapa Santos Bezerra e despachado pelo ministro – relator do caso, Bruno Dantas, aponta "indícios graves de que o Decreto dos Portos é inconstitucional". O caso ainda não foi apreciado pelo plenário da Corte.
O Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil aguarda o posicionamento oficial do TCU para "usufruir" das medidas previstas no decreto:
"De fato, sem o posicionamento final da Corte de Contas, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil decidiu pelo não prosseguimento das adaptações contratuais (o que por óbvio impossibilita os interessados apresentem seus novos planos de investimentos para avaliação), respeitando inclusive orientação do próprio Tribunal de Contas da União. Dessa forma, de fato, não usufruímos dos resultados do decreto, até o presente momento", diz o ministério, por meio de nota.
Relações sob investigação
As suspeitas Temer em torno da edição do Decreto dos Portos surgiram a partir de uma conversa de pouco mais de dois minutos com o ex-assessor presidencial Rodrigo da Rocha Loures interceptada pela Polícia Federal em 4 de maio de 2017. Loures estava grampeado. Ele tentava saber sobre a assinatura do Decreto dos Portos e Temer informou o parlamentar que iria assiná-lo na semana seguinte.
Depois da conversa com Temer, Rocha Loures passou informações por telefone a Ricardo Conrado Mesquita, que, além de diretor da Rodrimar, é membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira dos Terminais Portuários.
Em certo momento da conversa entre Rocha Loures e Temer, o presidente indica a prorrogação no prazo dos contratos. Após Loures comentar que teve informação de que já teria sido assinado o decreto, Temer responde:
— Não. Vai ser assinado na quarta-feira à tarde. Vai ser numa solenidade até, viu?
Em outro trecho da conversa, o presidente diz que "aquela coisa dos 70 anos lá para todo mundo parece que está acertando aquilo lá".
Quebra de sigilo
Em fevereiro deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso determinou a quebra do sigilo bancário do presidente na investigação sobre supostas irregularidades em decreto relacionado ao setor portuário. Barroso também autorizou o levantamento do sigilo bancário de três pessoas próximas a Temer: os ex-assessores João Baptista Lima Filho, conhecido como coronel Lima, José Yunes e Rocha Loures.
Amigos presos
Em 29 de março deste ano, amigos do ex-presidente foram presos na Operação Skala. Os mandados foram cumpridos contra Yunes, Grecco, o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi (PMDB) e o coronel Lima. Eles foram liberados dois dias depois.
Grecco disse em depoimento à PF que Temer, na época em que era vice-presidente da República, teria prometido avaliar um pedido do empresário em relação ao setor portuário. No entanto, segundo o empresário, nada chegou a ser feito em relação ao caso.
Em janeiro, Michel Temer respondeu uma série de perguntas da PF sobre o decreto dos portos. Na ocasião, o presidente admitiu contato esporádico com Grecco, mas negou tratativas sobre operação portuária.