Para acabar com a falta de consenso em torno da reforma política e aprovar de uma vez um novo modelo eleitoral, deputados agora discutem uma alternativa para entrar em vigor já nas eleições de 2018: o semidistritão, também chamado de distritão light e de distritão misto.
O modelo é uma mistura do atual sistema em vigor – o voto proporcional – com o distritão, e não existe em nenhum outro lugar do mundo. A proposta foi apresentada informalmente na quarta-feira (16) pelo líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB) a deputados em uma reunião na casa do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A ideia é pensada sob medida para agradar aos partidos contrários ao distritão e que são fortes como legenda – sobretudo os que são mais alinhados à esquerda, como o PT. Sem o apoio desses partidos, dificilmente um novo modelo eleitoral será aprovado (como a reforma política é uma proposta de emenda constitucional (PEC), são necessários os votos de pelo menos 308 dos 513 deputados).
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ZH teve acesso ao esboço do projeto do semidistritão. Veja abaixo alguns pontos da ideia inicialmente proposta:
– Nas eleições para deputados estadual e federal, os eleitores continuariam com a opção de votar no candidato ou no partido. Há duas grandes diferenças, ambas na distribuição dos votos.
– A primeira é que os votos feitos nas legendas seriam repartidos aos candidatos do partido, de forma proporcional à votação que eles receberam individualmente. E a segunda é que, se o partido fechar uma coligação, o voto na legenda irá para o partido – a coligação não receberia o voto na esteira.
O pai do "semidistritão", deputado Efraim Filho (DEM-PB), afirma que o principal objetivo do modelo é "extrair o que há de melhor no sistema proporcional atual e no distritão que foi apresentado no Congresso". Conforme o parlamentar, a proposta também visa a impedir negociatas entre partidos por meio de coligações:
– Ele (semidistritão) mantém o sistema majoritário de votos, excluindo as coligações, que a própria Lava-Jato revelou como sendo um grande foco de negociatas, indutor de corrupção, do leilão dos pequenos partidos para vender espaço – disse.
Questionado se o "semidistritão", de certa forma, não mantém a tendência de o candidato mais votado se eleger, sem a necessidade do partido, Efraim disse que o modelo vai fortalecer a disputa entre os postulantes de legendas diferentes, permitindo o ingresso de novos concorrentes. Para o deputado, a proposta garante que a população consiga eleger políticos que representem suas ideias, pois o voto na legenda vai beneficiar apenas candidatos do partido escolhido pelos eleitores:
– Com o sistema de coligações confuso que existe no Brasil, o cidadão vota em um partido e, muitas vezes, esse voto é desviado para eleger outro cidadão que ele não quer, não gosta e não sabe nem de quem se trata.
O deputado disse que vai amadurecer a proposta até a próxima terça-feira (22), para quando está prevista a votação do sistema de voto majoritário na Câmara, conversando com as lideranças para decidir se as mudanças previstas no "semidistritão" devem ser apreciadas na Casa. Efraim disse que não consegue projetar se a medida tem força para passar no Congresso.
Voto na legenda
O voto no partido é uma opção adotada por uma parcela considerável de pessoas. Nas eleições de 2014 para deputado federal no Rio Grande do Sul, por exemplo, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do total de mais de 5,9 milhões de votos válidos no Estado, 440,7 mil foram na legenda, o equivalente a 7,4%.
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade na manhã desta quinta (17), o relator da comissão da reforma política, Vicente Cândido (PT-SP) reconhece que a medida foi proposta para agradar aos opositores do distritão.
– O pessoal (a favor) do distritão perdeu força e está querendo fazer negociação para ter modelo alternativo em 2018 – afirmou.
Também em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta manhã, Afonso Motta (PDT-RS) disse ser contra o distritão, assim como grande parte de sua legenda.
– Votarei contra o distritão, em qualquer circunstância. Já me manifestei, dizendo para a bancada do partido. O PDT está dividido, a maioria é contra. Tenho divergência em relação ao distritão. São duas questões principais: o financiamento e o sistema de votos. Ontem (quarta-feira), houve um movimento com relação ao distritão, que não tem o número de votos suficientes, para ampliá-lo com a inclusão dos votos em legenda – declarou.
Modelo divide opiniões entre especialistas
Alguns especialistas consultados por ZH preferem o semidistritão sob o argumento de que "pior do que o distritão, não fica". Segundo o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), Ricardo Breier, o modelo é melhor para a democracia, mas a pressa dos parlamentares em aprová-lo já para as eleições de 2018 demonstraria intenções escusas.
– É um sistema viável e melhor do que o distritão, que é um retrocesso na democracia. O distritão coloca o foco no indivíduo, e isso mata o partido político, o que é ruim para a democracia. O problema não é o partido, mas, sim, os maus políticos que fazem o uso errado do partido. O distritão misto (semidistritão ou distritão light) é melhor do que o distritão, mas está tudo sendo feito às pressas, parece que é para obter foro privilegiado – afirmou
Para Antônio Augusto Mayer dos Santos, especialista em direito eleitoral e autor do livro Campanha Eleitoral – Teoria e Prática, o distritão light assegura a renovação do quadro político, algo prejudicado pelo distritão.
– O semidistritão não vai reduzir o número de candidatos, mas o distritão, sim. O semidistritão ainda pode servir como estímulo para candidaturas, especialmente na Câmara. E é ruim ter menos candidatos, é preciso ter mais gente buscando representatividade. Isso é bom para a democracia.
O professor do Insper e cientista político Fernando Schüler entende que a proposta de "semidistritão" que está sendo ventilada no Congresso é um modelo que não renova a política brasileira, porque está "reforçando a lógica do próprio distritão", pois mesmo com o voto na legenda e a distribuição proporcional dos votos, "serão eleitos, simplesmente, os mais votados". Schüler destacou que a melhor solução para o momento político atual é não mudar o sistema eleitoral sem um debate amplo com a sociedade.
– Não vejo (o semidistritão) como uma alternativa. Acho que a adesão mais prudente do Congresso, no momento, dado a agilidade do prazo (para aprovar a mudança), é não alterar o sistema eleitoral. Essa discussão tem de ser feita pela sociedade. Essa é uma agenda para 2019, para um novo Congresso – opinou.
Entenda as diferenças entre os sistemas eleitorais
Como é hoje?
As eleições para vereadores, deputados estaduais e deputados federais hoje são proporcionais com lista aberta. Não basta receber o maior número de votos para ser empossado – é preciso, também, contar com os votos que o partido ou a coligação recebe.
Os votos no partido contribuem para o "quociente eleitoral", um cálculo que determina o número de vagas destinadas a cada legenda e quantos votos são necessários que cada candidato receba para ser eleito.
O sistema estimula as legendas a lançar o maior número de candidatos o possível, a fim de obter votos para atingir o quociente eleitoral. Além disso, causa algumas distorções: às vezes, os candidatos mais votados não são eleitos e os com votações menos expressivas, sim.
É o que ocorreu com Tiririca, que recebeu tantos votos que chegou a eleger junto três colegas de partido pouco conhecidos. Ou Luciana Genro, que recebeu muitos votos, mas não foi eleita para deputada federal porque seu partido não tinha, ao todo, votação expressiva.
O que é o distritão?
Apontado como modelo de transição, previsto para ser implantado em 2018 ou 2022, o distritão é rechaçado por partidos alinhados à esquerda, como o PT, e por entidades como a OAB. Segundo a proposta, Estados e municípios são repartidos em distritos e são eleitos apenas os candidatos mais votados, sem influência dos votos que o partido ou a coligação recebe. A disputa fica mais individualizada, já que só vence quem de fato recebeu o maior número de votos. É como ocorre nas eleições para presidente e governador.
Com isso, a corrida fica mais cara, já que os candidatos de um mesmo partido concorrem entre si pelo voto do eleitor. O modelo também privilegia quem já foi eleito e tem a máquina pública a seu favor (com recursos de verbas parlamentares e histórico de medidas já aprovadas para beneficiar a população). Novos candidatos seriam desencorajados a concorrer, além de representantes das minorias.
Após a contagem dos votos, com o fim do quociente eleitoral, todos os votos que não vão para o deputado eleito vão para o lixo.
O que é o distrital misto?
Este sistema eleitoral entraria em vigor em 2022. Conforme o texto aprovado na comissão da reforma política, no distrital misto o eleitor vota duas vezes para deputado federal, deputado estadual e vereador.
Dos dois votos, um vai para um candidato de sua região e para uma lista preordenada do partido. Seriam eleitos os candidatos mais bem votados no distrito e os que receberiam mais votos dentro da lista do partido ou da coligação. Ainda não está definido como os votos seriam divididos dentro da lista – o martelo deve ser batido posteriormente.