Em 1987, um grupo parlamentar percebeu um vácuo de poder em meio à Assembleia Nacional Constituinte e, unido, ditou os rumos do novo texto magno. Nascia ali o centrão, bloco fisiológico que garantiu cinco anos de mandato para o então presidente José Sarney em troca de concessões de rádio e TV.
Trinta anos depois, quase nada mudou na relação entre Congresso e Planalto. Valendo-se de aritmética casuísta, pela qual a soma de deputados desprovidos de ideologia forma uma bancada homogênea na defesa dos próprios interesses, o centrão esteve na base de todos os presidentes que sucederam Sarney. Hoje enraizado em pelo menos 12 partidos, controla cerca de um terço dos 513 deputados, contingente que desequilibra qualquer votação e é imprescindível para efetuar mudanças constitucionais.
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Seu grau de influência é inversamente proporcional à força política do governo. Diante de um presidente forte, se retrai. Frente a um governo fraco, cobra caro pelo apoio. Com Michel Temer, o centrão subiu a rampa do Palácio do Planalto. Tem cinco ministros, além dos líderes do governo na Câmara e no Congresso.
Temer mal havia vestido a faixa presidencial e já teve de fazer concessões ao grupo. À época, havia sondado o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para o posto de líder do governo. Pressionado pelo centrão, voltou atrás e nomeou o inexpressivo André Moura (PSC-SE).
– Antes se dizia que ninguém governava sem o PMDB. Agora que o PMDB está no poder, não governa sem o centrão – comenta o cientista político David Fleicher.
Ascensão ao forçar rumos da constituinte
A mais recente exibição de poder do grupo foi a sobrevida concedida a Temer na votação da denúncia de corrupção. Agora, exige mais cargos, verbas e ministérios. A chantagem é explícita: ameaça impedir a reforma da Previdência, a revisão da meta fiscal e o novo Refis. De quebra, balança a espada sobre o Planalto, sugerindo descê-la caso surja uma segunda denúncia contra o presidente.
– Para o centrão, não existe ideologia. Existem cifras – diz o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
A primeira aparição do grupo se deu em 3 de fevereiro de 1987, quando o então deputado José Lourenço (PFL-BA) deixou o gabinete de Sarney anunciando a criação do "bloco Tancredo Neves". Na concepção, seria um conjunto atuante de deputados de centro, mas seus integrantes não participavam das discussões. Eram chamados de turistas no Congresso.
Com o avanço dos trabalhos, banqueiros e empresários se assustaram com a tendência "estatizante e utópica" do novo texto constitucional. Convocaram líderes de partidos conservadores para uma reunião no Hotel Carlton, em Brasília, cobrando presença em todas as votações e compromisso com medidas de apoio ao livre mercado. Em outubro, ocorreu a virada. Colérico, José Lourenço rasgou em plenário o texto-base apresentado pela comissão de sistematização e derrubou no voto o regimento da constituinte. A partir dali, quase todas as decisões precisaram da anuência do centrão. Sua atuação foi definida pelo então deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP), ao explicar o apoio aos cinco anos de mandato para Sarney: "é dando que se recebe".
Sob o comando de Cunha, o reinado do baixo clero
Nos governos seguintes, o centrão protagonizou escândalos e exibiu vigor em momentos cruciais. Foi essencial na aprovação da emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Quando houve denúncia de compra de votos, estava no núcleo do mensalão durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Desertou do governo Dilma Rousseff (PT) para assegurar o impeachment e arquivou a denúncia contra Temer.
Nos dias atuais, o centrão é obra do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que o reorganizou em 2014 para cobrar de Dilma a liberação de emendas. No mesmo ano, o peemedebista financiou dezenas de campanhas eleitorais dos asseclas, garantindo sua ascensão à presidência da Câmara. Com ele no poder, o baixo clero reinou, assumindo comissões importantes e a relatoria de projetos de destaque. Com Cunha preso e cassado, a liderança se diluiu.
– Cunha foi substituído por quatro ou cinco políticos de menor inteligência e expressão, mas com o mesmo apetite – diz um parlamentar que conhece as entranhas do bloco.
Depois de livrar Temer, cobrança por cargos
Juntos, os 12 partidos do centrão somam 218 deputados, mas nem todos comungam da mesma forma de agir. Para esses, há represálias. Um gaúcho que votou a favor da denúncia de Temer foi avisado que talvez não receba verbas do fundo eleitoral para 2018 e perdeu os cargos que tinha no governo. Na Esplanada, o bloco cobiça a Secretaria de Governo e o Ministério das Cidades, ocupados por ministros do PSDB, além de postos de segundo e terceiro escalão para 40 deputados.
– Esse jeito do Temer governar, com jantares, festas, facilita a ação do centrão. Ali eles quebram a institucionalidade. Não precisam da interlocução dos ministros ou dos líderes partidários para acessar o presidente – diz o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
Líder do PSD, Marcos Montes (MG) é um dos expoentes do centrão. Embora renegue o nome do bloco como "um carimbo que a imprensa deu para os partidos intermediários", o deputado salienta que espera retribuição pelos votos que asseguraram o arquivamento da denúncia contra o presidente.
– Queremos participar das decisões. O governo não pode querer inventar a roda. Tem de valorizar os 263 deputados que votaram com ele. Hoje a gente se pergunta se valeu a pena. A resposta da sociedade não foi boa – afirma Montes.
Pragmáticos ao extremo, alguns líderes do centrão querem acesso ao poder, mas longe da vitrine de um governo rejeitado pelos eleitores. Pedindo anonimato, um dos cabeças do grupo esnoba ministérios:
– Você acha que vale a pena ser ministro do Temer, um governo com 5% de aprovação? Se ele me convidar, não aceito.