"Nunca sentei nesta cadeira. Vamos, a partir de amanhã, governar com simplicidade. Temos muito trabalho a fazer".
Rodrigo Maia (DEM-RJ) recém havia sido eleito presidente da Câmara, em julho de 2016, quando proferiu a frase acima. Em discurso, agradeceu a vitória aos partidos da oposição e da base. Um ano depois, com movimentos tão discretos como certeiros, cativa o mesmo eleitorado em busca de apoio. Desta vez, o objetivo é governar o país, e não apenas o plenário da Câmara.
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A ascensão de Maia se dá na mesma velocidade com que desaba o prestígio parlamentar do presidente Michel Temer. Sem respaldo popular, desde que tomou posse o presidente se sustenta em dois pilares: o Congresso e o mercado. Em uma semana, esse alicerce foi corroído por uma sucessão de fatos negativos. A prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), as iminentes delações do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do operador Lúcio Funaro e as defecções no PSDB e no próprio PMDB já não garantem ao Planalto força suficiente para barrar a denúncia de corrupção apresentada pela Procuradoria-Geral da República.
Ainda jovem, aos 47 anos, mas com a experiência de quem acumula cinco mandatos na Casa, Maia percebeu o comportamento titubeante dos deputados. Reduziu as visitas ao Palácio do Planalto e abriu a residência oficial da Câmara para políticos e investidores. Nos últimos dias, passaram por ali analistas de alguns dos maiores bancos do país, como Santander e Itaú, além de dirigentes das corretoras BGC Liquidez e Ventor Investimentos. A todos, evitou dar demonstração de que estaria conspirando contra o presidente, mas firmou compromisso com as reformas e a manutenção da equipe econômica. Nesta sexta-feira (7), Maiafoi claro em telefonema ao deputado Jerônimo Göergen (PP-RS):
– Deixou claro que se acontecer (a necessidade de assumir a Presidência), eu poderia tranquilizar o empresariado que não haverá mudanças na equipe econômica.
Usuário bissexto do Twitter, Maia fez na sexta rara postagem, na qual pede que a Câmara retome a agenda. "Precisamos ter muita tranquilidade e prudência neste momento. Em vez de potencializar, precisamos ajudar o Brasil a sair da crise. Não podemos estar satisfeitos apenas com a reforma trabalhista. Temos Previdência, tributária e mudanças na legislação de segurança pública", escreveu.
– Esses tuítes dele são quase uma carta-compromisso. O mercado precisa dessa agenda. Em Brasília, não tem vácuo. Temer está perdendo espaço, e o Rodrigo ganhando. Ele tem condições de virar a página da crise – avalia um analista político de uma grande agência de investimentos.
A súbita exposição de Maia ocorreu num momento em que Temer está no Exterior – só retorna neste sábado do encontro do G20 na Alemanha – e logo após o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati (CE), declarar que o país está próximo da ingovernabilidade. Para Tasso, o presidente da Câmara "tem condições de juntar os partidos ao redor de um nível mínimo de estabilidade". Assustado com a repercussão da fala de Tasso e dos movimentos sincronizados que vem fazendo, Maia tratou de negar qualquer pretensão ao Planalto, embora tenha reconhecido a gravidade da denúncia contra Temer.
Ministros convocados a voltar à câmara
A articulação em torno de Maia gera apreensão no Planalto. Na quarta-feira (5), diante dos indícios de que o relator da denúncia na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), irá redigir parecer desfavorável, Temer convocou uma reunião de emergência. O presidente só deixou o palácio às 23h45min, após exigir mais empenho aos ministros, inclusive com retorno à Câmara daqueles que detêm mandato.
– Agora é um momento em que todos têm de dar provas efetivas do seu engajamento – disse o presidente, que chegou a cogitar até mesmo derrota no plenário da Câmara, onde precisa de 172 votos.
Com PSDB, DEM e boa parte da oposição arregimentando-se ao redor de Maia, o Planalto tenta conquistar votos distribuindo cargos e verbas. O alvo do governo são partidos do centrão, que fez o impeachment de Dilma Rousseff e elegeu Maia ao comando da Câmara. Como não há garantias de fidelidade caso a situação se agrave, Temer apela ao pretenso sucessor. Da Alemanha, disse que "acredita plenamente" no presidente da Câmara:
– Ele só me dá provas de lealdade o tempo todo.
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Fragilidades do Planalto
Prisão de Geddel
Após passar o final de semana comemorando a soltura de Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e o retorno de Aécio Neves (PSDB-MG) ao Senado, o Planalto foi surpreendido na segunda-feira (3) com a prisão de Geddel Vieira Lima (PMDB-BA). Ex-ministro e integrante do seleto grupo de amigos do presidente Michel Temer, Geddel prestou depoimento, na quinta-feira (6), à 10ª Vara Federal de Brasília e teve o pedido de liberdade negado. Ele está detido no presídio da Papuda.
PSDB longe da base
Principal fiador do governo Temer no Congresso e com quatro ministérios, o PSDB ensaia uma debandada da base de apoio do Planalto. Nem mesmo a devolução do mandato de Aécio apaziguou os ânimos. Dos 11 senadores da legenda, sete são favoráveis ao desembarque. Na Câmara, o comportamento da bancada é semelhante. Dos sete deputados do partido com assento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), seis já anunciaram voto a favor da denúncia contra Temer.
Derrota na CCJ
O próprio PMDB não consegue garantir fidelidade máxima a Temer. Embora pertençam ao partido, o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (MG), e o relator da denúncia, Sergio Zveiter (RJ), vêm agindo contra os interesses do Planalto. Enquanto Pacheco se nega a apressar o andamento do processo, Zveiter admite que o seu relatório tende a ser favorável à aceitação da denúncia do procurador-geral, Rodrigo Janot. O Planalto já admite a possibilidade de derrota.
Delação de Funaro e Cunha
Guardiões de segredos inconfessáveis do PMDB, o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o doleiro Lúcio Funaro preparam delação premiada “casada”. Foi graças às revelações de Funaro que a Polícia Federal encontrou indícios suficientes para prender Geddel. O doleiro já foi transferido da Papuda para a sede da PF em Brasília, onde irá prestar novos depoimentos. Já Cunha tem mais de cem anexos rascunhados com as revelações que pretende fazer aos procuradores da Lava-Jato.
Ofensiva da PGR
Além da denúncia por corrupção passiva, a Procuradoria-Geral da República prepara novas acusações contra Temer. No horizonte de Janot, há pelo menos três novos crimes a serem atribuídos ao presidente: organização criminosa, obstrução da Justiça e prevaricação, todos somente no caso da delação da JBS. Janot também pediu ao Supremo Tribunal Federal que inclua Temer em novo inquérito que investiga desvios no FI-FGTS.
Mobilização palaciana
Ciente do risco de perda do cargo, Temer passou a semana buscando apoio. O entra e sai é frenético no Planalto. De segunda a quinta-feira, antes do embarque à Alemanha, Temer manteve pelo menos 42 agendas oficiais com deputados, líderes partidários e ministros. Somente na terça-feira, 37 parlamentares estiveram no gabinete presidencial. Em troca de votos, o governo já empenhou R$ 1,8 bilhão em emendas.
*Zero Hora