Delação premiada equivale a um "xingamento" no vocabulário do advogado gaúcho Cezar Bitencourt. É por isso que ele tem repetido, como um mantra: não acertará com as autoridades a colaboração de seu cliente mais notório no momento, o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). O ex-parlamentar, que atuava como colaborador direto do presidente Michel Temer, foi preso após carregar uma mala com R$ 500 mil que seria propina da indústria de carnes JBS.
Bitencourt inclusive recomendou que Loures fique em silêncio no interrogatório pela Polícia Federal, transferido para a próxima quarta-feira. O ex-parlamentar está numa cela isolada.
Ex-delegado da Polícia Civil gaúcha, procurador de Justiça aposentado e professor universitário com 32 livros publicados – a maioria sobre Direito Penal –, Bitencourt é considerado no meio como um "garantista". Isso significa, em resumo, que preza sobretudo as garantias de defesa dos réus e defende a limitação do poder punitivo da Justiça. O jurista costuma clamar contra a colaboração premiada, motor da Operação Lava-Jato. Basta ler o título de alguns dos seus artigos a respeito, publicados em sites jurídicos de prestígio: "A (in) constitucionalidade dos acordos de delação" e "Traição Bonificada – Delação premiada na 'Lava-Jato' está eivada de inconstitucionalidades".
"Traição bonificada" é o termo usado por Bitencourt no artigo publicado em 4 de dezembro de 2014 na revista Consultor Jurídico. A Lava-Jato, maior ação policial da história do país, estava então em seu primeiro ano e acabara de prender os donos das maiores empreiteiras brasileiras. O advogado gaúcho criticou a adoção das delações como se o Ministério Público Federal (MPF) "tivesse descoberto uma poção mágica... a possibilidade de premiar o traidor". O criminalista fala que as informações oriundas de uma traição podem ser, elas próprias, traiçoeiras.
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"O objetivo é arrancar a confissão e forçar a 'delação'! Retornamos à Idade Média, quando as ordalhas e a tortura também tinham objetivo de arrancar a confissão, e também eram 100% exitosas! Só falta torturar fisicamente, porque psicologicamente já está correndo!" – alfinetou Bitencourt.
Bitencourt chegou a abrir processo de suspeição contra o juiz federal Sergio Moro, da Lava-Jato. Não foi bem-sucedido.
Em entrevista concedida a Zero Hora logo após as delações da JBS virem à tona e implicarem o próprio Rocha Loures como receptor de propina para o presidente Michel Temer, Bitencourt disse que o presidente foi vítima de "armação", ao ser gravado pelo empresário Joesley Batista. Em artigo, Bitencourt criticou as "ações controladas" feitas pela Polícia Federal para conseguir provas e flagrantes.
Bitencourt inclusive cogita pedir anulação da delação da JBS, que levou à prisão do seu cliente Rocha Loures. Para ele, a narrativa é inválida porque foi feita pelo "chefe da quadrilha" (o dono da JBS, Joesley Batista). Isso contraria, segundo o jurista gaúcho, a lei que instituiu a colaboração premiada, a de que o objetivo seja atingir os líderes de uma organização criminosa – "no caso JBS, o chefe teria saído impune", critica o advogado.
E se o próprio Rocha Loures resolver delatar? O ex-deputado está isolado na prisão e preocupado, porque sua mulher está grávida de oito meses. Bitencourt acredita que isso não vai acontecer, "porque a esposa dele é uma fortaleza". Ele prepara uma "defesa técnica", centrada em possíveis falhas da investigação e ilegalidade das gravações feitas pela JBS contra o ex-deputado.
Ao final da tarde de segunda-feira, Cezar Bitencourt ingressou no STF com pedido de habeas corpus para Rocha Loures. Alegou que a prisão é "medida descabida", usada apenas para forçar uma delação que "não tem razão de ser". Ele diz ainda que seu cliente sequer conhece direito o delator Joesley Batista e que retornou dos EUA, se apresentando à Justiça espontaneamente, quando solicitado - por isso, não há razão para prisão.
Um advogado gaúcho que atua na Lava-Jato, amigo de Bitencourt, acredita ser mais fácil ele desistir da causa de Rocha Loures do que aderir à delação. A verdade é que, sem delação, Bitencourt coleciona boas vitórias. Uma delas foi o arquivamento da causa criminal contra o banqueiro Julio Bozano, do banco Bozano-Simonsen.
Mesmo quando atuava como promotor ou como procurador de Justiça, Bitencourt já se preocupava mais com os presos, "era um humanista por excelência", descreve seu ex-colega, o procurador de Justiça Marcelo Ribeiro.
Ribeiro considera que, ao abraçar a advocacia, Bitencourt seguiu um caminho natural, o da defesa dos suspeitos.
– Sem demérito, porque ele é um conceituado penalista, conhece muito.
Antes de ser advogado, Bitencourt atuou na Vara de Execuções Criminais, sempre ouvindo pedidos dos presos, o que o sensibilizou. Foi ao tirar Doutorado em Direito Penal em Sevilha, na Espanha, que se inclinou para a advocacia, carreira que adotou após se aposentar como procurador. Fundou o Mestrado em Ciências Criminais na PUC-RS e hoje é professor convidado em Sevilha, Buenos Aires, Rio de Janeiro e Porto Alegre.