Os argumentos utilizados na decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que concedeu liberdade ao ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, geram divergências no meio jurídico. Um dos principais pontos de discussão entre especialistas ocorre na questão sobre o prazo legal e a necessidade das prisões preventivas, já que o petista foi preso pela Operação Lava-Jato em agosto de 2015 e permanecia detido após duas condenações pelo juiz federal Sergio Moro, em primeira instância.
Entrevistados pelo programa Gaúcha Atualidade, nesta quarta-feira (3), o promotor de Justiça do Ministério Público Estadual, Fabiano Dallazen, e o advogado criminalista, André Callegari, divergem sobre a decisão do STF. De acordo com Dallazen, as prisões preventivas da Lava-Jato se justificam pela necessidade de manter os investigados presos. O promotor acredita que a concessão de liberdade a Dirceu e outros alvos da operação pode representar um risco às investigações.
– Ao colocar José Dirceu, Eduardo Cunha, (Antonio) Palocci e todos os demais em liberdade, da forma como eles atuam no submundo da política e da economia para atrapalhar as investigações, vai jogar por terra todo esse trabalho que está sendo feito (na Lava-Jato) e toda a esperança da sociedade em uma efetiva punição – argumentou o promotor.
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Para Callegari, no entanto, a decisão da 2ª Turma do STF de soltar Dirceu é fundamentada, já que as condenações do ex-ministro pelo juiz federal Sergio Moro, em primeira instância, ainda não foram revisadas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). O advogado criminalista reitera que os investigados não podem cumprir a pena "por antecipação".
– O ministro José Dirceu, com todo potencial econômico que tem e com toda influência que pode ter, não pode cumprir uma pena antecipada quando só temos a decisão de primeiro grau. Passados dois anos, não tivemos uma revisão da sentença (pelo TRF4) – afirmou Callegari, defendendo a adoção de uma força-tarefa pelo TRF4 para acelerar a análise dos recursos das condenações em primeira instância da Lava-Jato.
Na terça-feira (3), os ministros da 2ª Turma do Supremo decidiram conceder habeas corpus a Dirceu por três votos a dois. Relator do pedido, o ministro Edson Fachin votou pela manutenção da prisão. O decano da Corte, Celso de Mello, acompanhou o voto do relator pela continuidade da prisão preventiva.
Primeiro a abrir divergência, entretanto, o ministro Dias Toffoli argumentou que a sentença de Moro – evitando que Dirceu pudesse recorrer em liberdade – antecipou o cumprimento da pena na primeira instância, o que é ilegal. Além disso, o magistrado defendeu que a adoção de medidas cautelares, que deverão ser definidas por Moro.
Ricardo Lewandowski também votou pela concessão do habeas corpus, dizendo que as prisões preventivas não podem ser fundamentadas em riscos abstratos à ordem pública e à investigação. Por fim, o ministro Gilmar Mendes desempatou a votação a favor de Dirceu, criticando o prazo de prisão preventiva do ex-ministro.
Denúncia do MPF no mesmo dia da decisão do STF
Na manhã de terça-feira (2), a força-tarefa da Lava-Jato apresentou uma nova denúncia contra Dirceu. Em entrevista, o procurador da República Deltan Dallagnol reconheceu que "houve a precipitação" da acusação em razão do julgamento do habeas corpus do ex-ministro pelo Supremo no mesmo dia. O investigador sustentou que "existem razões de sobra para Dirceu ficar na prisão".
Em Brasília, o ministro Gilmar Mendes reagiu à decisão da força-tarefa da Lava-Jato afirmando que a nova denúncia contra Dirceu era "o rabo abanando o cachorro" e rechaçou qualquer influência da acusação do MPF sobre o julgamento do STF.
Na avaliação de Fabiano Dallazen e André Callegari, a denúncia feita às pressas pelo Ministério Público Federal (MPF) não influi sobre o análise do pedido de liberdade no STF.
– Não acredito que tenha influenciado, me pareceu muito mais um ato de desabafo – afirma. – É incrível como o ministro Gilmar Mendes se mostra incomodado com a força-tarefa da Operação Lava-Jato. Talvez, nesse sentido, tenha havido alguma influência contrária – pondera Dallazen.
O advogado vai no mesmo sentido.
– Não creio que (a denúncia) tenha influenciado porque, na 2ª Turma, não é uma decisão inédita, sem precedente. Existe interpretação para os dois lados – sustenta Callegari.