Diante de uma série de duros despachos contra réus da Lava-Jato, a decisão do juiz Sergio Moro de absolver a jornalista Cláudia Cruz, mulher do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dos crimes de lavagem de dinheiro e evasão fraudulenta de divisas causou surpresa no país. Logo que a sentença foi divulgada, o Ministério Público Federal (MPF) garantiu que vai recorrer, e as redes sociais se encheram de críticas à suposta benevolência do magistrado.
Nesta sexta-feira, o procurador da força-tarefa da operação Carlos Fernando dos Santos Lima atribuiu a decisão ao "coração generoso" de Moro. Na avaliação da instituição, a absolvição de Cláudia é "injustificável".
– Isso decorre muito mais do coração generoso do doutor Sergio Moro. Ela é esposa de uma pessoa sabidamente ligada à corrupção. É injustificável a absolvição. Ela tinha indicativos e conhecimento cultural suficientes para saber a origem desses recursos – afirmou o procurador em entrevista coletiva.
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Para especialistas ouvidos por ZH, a sentença está amparada em argumentos jurídicos. Isso porque, segundo Moro, faltaram provas para mostrar que Cláudia agiu com pleno conhecimento do crime ao manter uma conta na Suíça com mais de US$ 1 milhão.
– É uma decisão absolutamente acertada do ponto de vista jurídico à medida que seria inviável criminalizar uma pessoa pelo simples fato de conviver com alguém que, eventualmente, tenha praticado ilícitos e usufruir desses produtos. O cometimento do crime em si é daquele que pratica a ação, e não daquele que está no seu convívio. Já, quanto à questão de ser moralmente correto ou incorreto, não cabe ao Judiciário decidir – observa o criminalista Daniel Gerber.
Na sentença, Moro listou, em 48 itens, as acusações contra a jornalista e a impossibilidade de ela identificar que o dinheiro encontrado em sua conta era de origem ilícita. O juiz também cita 13 compras de Cláudia em lojas de luxo em Paris, Roma, Lisboa e Dubai, identificadas em seu cartão de crédito, em valores que variam entre US$ 960,58 e US$ 7.707,37, para concluir que "não há nada de errado nos gastos", mas que os valores eram "extravagantes e inconsistentes para ela e sua família", considerando que Cunha era um agente público.
O magistrado avaliou que Cláudia era "negligente quanto às fontes de rendimento do marido e aos gastos pessoais e da família". No entanto, considerou que não seria o suficiente para condená-la. Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), o advogado Fabrício Medeiros concorda com a avaliação de Moro:
– Do ponto de vista técnico, o juiz está correto, porque não existem provas que apontem que ela cometeu os crimes neste processo específico. Na minha opinião, esses gastos excessivos são indícios, e indícios são suficientes para uma acusação, mas não para uma condenação. Para isso, são necessárias provas robustas.
Sem provas contra Cláudia, Moro considerou que o uso de contas secretas no Exterior, que não eram declaradas no Brasil, era de responsabilidade de Cunha, que gerenciava os valores ilícitos.
"O entendimento é no sentido de que, para condenação por lavagem de dinheiro de cônjuges de agentes públicos corrompidos, é necessário ter uma prova muito clara de que o cônjuge tinha ciência dos crimes de corrupção ou de sua participação ativa nas condutas de ocultação e dissimulação, não sendo suficiente a prova da realização de gastos extravagantes, por mais reprováveis que eles sejam à luz de tantos crimes de corrupção", escreveu o magistrado.
A partir do recurso que deve ser apresentado pelo MPF, a sentença favorável a Cláudia em primeiro grau será analisada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. Sem tratar do mérito da decisão do magistrado de absolver a jornalista, o professor de Direito Penal da PUCRS Rafael Canterji explica que, na Corte, a absolvição de Moro pode ser revista:
– Foi uma sentença de primeira instância que está pendente de recurso. Havendo recurso, o tribunal ainda pode revê-la e inclusive, nesta fase, reapreciar a avaliação fática.
A Corte tem sido mais rigorosa do que Moro em suas decisões. Na análise de recursos de condenados, o órgão aumentou 13 penas proferidas pelo juiz nos 23 casos julgados pelos desembargadores da 8ª Turma, responsável pelos processos da Lava-Jato.