Convocada por sindicalistas, a greve geral contra as reformas do governo Michel Temer ganhou repercussão nacional e internacional ao parar parte do país na sexta-feira. O resultado só foi possível, na avaliação de especialistas e dos próprios grevistas, devido a dois fatores: a união das centrais sindicais em torno de uma causa, algo raro até então, e o êxito na interrupção do transporte público nos principais centros urbanos brasileiros, restringindo a circulação das pessoas.
Desde as primeiras horas da madrugada, piquetes foram montados em pontos estratégicos nas capitais e nos maiores municípios do interior. Em todos os Estados e no Distrito Federal, vias públicas foram bloqueadas, estabelecimentos privados acabaram de portas fechadas, incluindo bancos e escolas, e repartições públicas funcionaram apenas de forma parcial.
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Em algumas cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, foram registrados confrontos e depredações. Em Porto Alegre, três ônibus acabaram apedrejados. Ao longo do dia, os coletivos foram impedidos de sair das garagens por manifestantes e não circularam.
O mesmo ocorreu com os trens metropolitanos. Assim que amanheceu, os limites à locomoção transformaram a paisagem no centro da Capital: normalmente apinhada de gente nesse horário, a região ganhou ares de feriado antecipado, com pouca gente nas ruas.
Até o fim da tarde, as entidades que lideraram a ação contra as alterações na Previdência e na legislação trabalhista comemoraram o desfecho da mobilização. Segundo o presidente da Central Única dos Trabalhadores no Estado (CUT-RS), Claudir Nespolo, o resultado "foi superior às expectativas".
– Vamos colocar em ordem esse negócio que está acontecendo em Brasília. Agora vão ter de nos escutar – disse à Rádio Gaúcha.
A dimensão da greve, avalia Claudio Dedecca, professor de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi "maior do que se esperava" porque, inicialmente, havia dúvidas sobre a real capacidade de mobilização das centrais.
Em outros atos, como o do último dia 15 de março, a adesão não chegou nem perto e os efeitos passaram quase despercebidos.
– Ainda é difícil avaliar a dimensão e o impacto porque há uma parcela da sociedade que ainda está silenciosa, mas certamente foi uma demonstração de força. A paralisação dos transportes foi a chave para isso – diz Dedecca.
É possível que a parcela silenciosa, nas palavras do pesquisador, tenha contribuído de forma involuntária para amplificar a paralisação - o que gerou críticas nas redes sociais. Mesmo que não tivessem a intenção de cruzar os braços, muitos trabalhadores acabaram ficando em casa porque não tinham como chegar ao serviço.
– É óbvio que queríamos isso. Quantas vezes tentamos parar o transporte público e não conseguimos? Agora, finalmente, deu certo, e o êxito do movimento passou por aí – argumenta o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil no Estado (CTB-RS), Guiomar Vidor.
União entre entidades ampliou mobilização
A outra diferença em relação a tentativas anteriores de parar o Brasil foi a aproximação entre as centrais. Até então, a CUT, historicamente ligada ao PT, e a Força Sindical, presidida pelo deputado federal Paulinho da Força, do Solidariedade, eram conhecidas por divergências políticas. Nas últimas semanas, isso mudou.
As entidades atribuem a união à "gravidade do momento" e à "real ameaça aos direitos dos trabalhadores". Dedecca cita um terceiro motivo: entre as mudanças da reforma trabalhista, está o fim do imposto sindical, que deixará "os sindicatos de joelhos". Vidor confirma:
– Lógico que somos contra o fim do imposto sindical, porque as entidades têm de sobreviver.
Para o cientista político Rudá Ricci, haveria mais uma razão por trás da unidade entre as centrais, em especial da guinada de Paulinho da Força ao ameaçar deixar de apoiar o governo Temer se não houver recuos na reforma. Ao contrário da Força Sindical, a CUT jamais aceitou dialogar com Temer.
– Essa reação é o que chamo de problema de mercado político. Paulinho está sendo impelido pela base a se posicionar contra a reforma trabalhista. É nos seus votos que está pensando – afirma Ricci.
Nos próximos dias, as centrais devem voltar a se reunir para tratar de nova greve até o fim de maio, desta vez com duração de 48 horas.
Governo minimiza adesão
O Palácio do Planalto tentará reduzir o impacto da greve geral nas votações das reformas no Congresso. Apesar de auxiliares do presidente Michel Temer considerarem que a adesão às manifestações ficou abaixo do projetado pelo governo, ministros e líderes partidários admitem que, ao final da tarde, os atos ganharam dimensão capaz de atrapalhar ainda mais a votação da PEC da Previdência na Câmara.
Parcela significativa dos deputados aliados já sinalizava que não estava disposta a votar as mudanças nas aposentadorias e pensões, e pode usar a greve como argumento para reforçar a posição. A ordem no governo é endurecer as negociações com esses parlamentares. Em nota oficial, Temer mandou um recado ao afirmar que o "trabalho em prol da modernização da legislação nacional continuará".
O Planalto monitorou ao longo do dia as manifestações. O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, ficou em contato com autoridades de segurança nos Estados e com a área de inteligência. No meio da tarde, apostava que o movimento arrefeceria, por estar restrito a sindicatos e à oposição, com maior peso em centros urbanos:
– Não houve apoio da população, o que se viu foram alguns grupos criando dificuldade a quem queria trabalhar.
À noite, os atos em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre contrariaram as previsões do governo. Às 19h, saiu a nota de Temer, na qual afirmou que houve "a mais ampla garantia ao direito de expressão" e lamentou o bloqueio de rodovias e avenidas para "impedir o direito de ir e vir do cidadão". Ele classificou como "graves" os confrontos.
O governo ainda aposta em vitória na reforma trabalhista no Senado e reconhece que, no momento, não reúne os 308 votos para aprovar a PEC da Previdência.
Na busca de apoio, a intenção é convencer os deputados de que não há pressão majoritária nas ruas contra as reformas. Para isso, vinculará a greve ao PT e à irritação das centrais com fim do imposto sindical. A oposição acusa o Planalto de subestimar os atos.
– É um governo isolado, que tem menos de 5% de popularidade e não consegue compreender a grandeza do movimento – diz o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Na base de Temer, parlamentares consideram que a greve não modificou opiniões sobre a Previdência. Quem pretende votar contra, decidiu pela pressão dos eleitores, percebida em viagens, redes sociais e e-mails enviados aos gabinetes. A greve será usada como mais "uma desculpa".
– O governo faz, hoje, 250 votos no plenário da Câmara. Na trabalhista, votou-se a necessidade de atualizar uma legislação da década de 1940 – garante Onyx Lorenzoni (DEM-RS).