Dividida na Assembleia, a própria base aliada expõe a dimensão do obstáculo que o governo José Ivo Sartori terá de transpor para avançar na iniciativa de privatizar estatais. Antes de levá-la adiante, o Piratini precisa aprovar a proposta que termina com a exigência de plebiscito para a venda de CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração (CRM).
O projeto, uma proposta de emenda constitucional (PEC), precisa de 33 votos de um total de 55 deputados para ser aprovado. Hoje, o governo sabe que o placar de "sim" está bem distante disso. Fora os votos contrários da oposição, liderada pelo PT, o governo ainda enfrenta grande resistência junto aos aliados, que somam ampla maioria no plenário.
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Prestes a desembarcar da base, o PDT, "dono" de sete votos, representa o principal entrave. A bancada está decidida a votar "não", uma vez que a emenda alvo do projeto foi incluída na Constituição justamente por iniciativa da sigla, na década de 1990.
– De todo o conjunto de projetos (de Sartori), o que teve fechamento de questão na bancada foi a contrariedade em relação à PEC dos plebiscitos. Foi o PDT que a incluiu anos atrás, seria uma incoerência da nossa parte – argumenta Gilmar Sossella, líder de bancada.
Mesmo o PSDB, sigla que historicamente defende privatizações, está rachada, com dois deputados favoráveis e dois contrários. Os tucanos que discordam do governo argumentam que a população deve ser consultada.
– Por que o governo não fez um plebiscito no ano passado, durante as eleições? Deviam ter feito. Eu acho que a população tem o direito de decidir não só sobre CRM, Sulgás e CEEE, mas também sobre Badesul, Daer e etc. – sustenta Pedro Pereira (PSDB).
Fiel da balança em votações de projetos apresentados pelo governo, como a extinção de fundações, o PTB também não representa um alívio para Sartori. A tendência é de que os votos do partido se repartam. Agora, após apresentar um panorama de cada companhia, o Piratini investe na estratégia de responsabilizar deputados desfavoráveis ao projeto pela possível quebra das estatais em crise.
– É um voto "bumerangue", porque, um tempo depois, ele volta. O voto "não" significa não querer autorizar o governo a retirar a necessidade de plebiscito para a imediata privatização ou federalização, seja por preceitos ideológicos ou compromisso com corporações. No futuro, quando essas empresas estiverem se autoflagelando para sobreviver, e algumas já estão, o bumerangue vai voltar, porque quem tomou a decisão no momento em que o Estado precisava e essas companhias tinham valor é a Assembleia – defende Gabriel Souza (PMDB), líder do governo na Assembleia.
O certo é que, com o aumento da investida pelas privatizações, o Piratini espera sinalizar ao Planalto que está cumprindo o dever de casa, uma das exigências para que o Estado possa aderir ao programa de recuperação fiscal de Michel Temer.
Diante do cenário, a oposição comemora:
– A cada dia que passa, fica mais difícil a aprovação. O governo não está fazendo pressão sobre nós, porque sabe que a nossa posição não vai mudar, mas sobre a sua própria base. Na minha opinião, é um tiro no pé – diz a líder de bancada do PT, Stela Farias.
PEC não tem prazo para ir a votação
Enviada à Assembleia pelo Piratini no fim de novembro, a proposta de retirar a necessidade de plebiscito para privatização das três companhias está pronta para ser votada há quase quatro meses. É justamente a falta de apoio político a explicação para a demora na apreciação.
Como se trata de uma PEC, não existe regime de urgência para chegar no plenário. Assim, outros projetos que trancam a pauta caso não sejam votados precisam, obrigatoriamente, ser apreciados antes. A partir da próxima sessão plenária, na terça-feira, ao menos 10 medidas estarão nessa condição – entre elas, o piso regional, por exemplo.
Sem prazo para a votação da PEC, o governo projeta que a proposta deva ser enfim apreciada no fim do mês. Porém, mesmo se fosse aprovada, a batalha não chegaria ao fim. O texto ainda teria de passar por votação em segundo turno e, depois, o governo precisaria submeter aos deputados uma espécie de autorização para dar continuidade às privatizações.
Na hipótese de rejeição, o Piratini pode encaminhar o plebiscito e precisa publicá-lo, no máximo, até a metade de junho. A consulta popular ocorreria em 15 de novembro, mas, na avaliação do governo, seria tarde demais, tendo em vista o tamanho da crise.